Bosman à portuguesa

No râguebi português, que se orgulha de ser amador, é preciso pagar milhares de euros por um jogador, só porque este teve que ir estudar para outra cidade

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Miguel Rodrigues

Muitos dos leitores devem recordar-se do futebolista profissional belga Jean-Marc Bosman que, em 1990, decidiu enfrentar os poderes instituídos do futebol europeu. Bosman, então jogador do RFC Liege e em final de contrato, pretendeu assinar contrato com um clube francês, o USL Dunkerque, então da segunda divisão francesa, depois de ter visto o seu salário ser cortado em 60%.

O clube fixa, entretanto, o seu passe em 600 mil euros, valor que o clube francês recusou de imediato. Resultado, nem Bosman vai para o clube desejado, nem o clube belga recebe o pretendido.

Acontece que Bosman sentindo-se injustiçado com todo este processo leva o caso para as instâncias judiciais. Os representantes do jogador baseiam a sua argumentação no Tratado de Roma, considerando ilegais o sistema de transferências no futebol europeu e respectivos limites à circulação de jogadores da União Europeia.

Depois de muitos avanços e recuos e de inúmeros recursos, a 11 de janeiro de 1996 a Comissão Europeia confirma que a sentença do Tribunal Europeu deve ser aplicada: Bosman tinha ganho esta guerra. Pois bem, quando pensávamos que este assunto estava encerrado, o râguebi português, apesar da sua orgulhosa condição de amador – foi assim que nos apresentámos no Mundial de França - decidiu contrariar todas as recomendações/deliberações europeias.

Em 2010 e após uma vitória eleitoral por um voto, o actual presidente, Carlos Amado da Silva, decidiu criar o já famoso “Regulamento de Indemnizações por Formação”. Esta pérola jurídica, que resulta apenas e tão só de pré-acordos eleitorais, é um verdadeiro atropelo aos direitos fundamentais da nossa sociedade.

O artigo 1º refere que o regulamento em causa “tem como objecto definir as regras de atribuição da indemnização por formação em casos de transferência ou de mudança de um jogador para um clube diferente daquele que representou na época imediatamente anterior”.

A pergunta que se coloca é saber quem paga a formação de um jogador de râguebi em Portugal. São os clubes? Não. Então quem paga? Pais, avós, tios, padrinhos, primos, etc. Ou seja, o principio que um clube tem direitos desportivos sobre um jogador cai por terra.

Mas depois, há uma outra premissa que o senhor presidente se esqueceu: o râguebi em Portugal é amador. O jogador português não tem qualquer vinculo profissional com o clube que representa. O jogador português deve ser livre de escolher o clube que quer representar.

Aceitar que um clube pague três mil euros só porque este teve que ir estudar para outra cidade, é afrontar os princípios constitucionais do nosso país.

Em Julho de 2013, dirigi uma missiva ao sr. presidente da FPR apelando que acabasse com este regulamento. Infelizmente, não tive resposta. Espero que desta vez a sua agenda possa atender a este apelo.

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