Um Modo Portátil de fazer acontecer a transdisciplinaridade

Não é teatro, concerto, dança ou videoarte, mas tudo isso ao mesmo tempo aquilo que se poderá ver esta quinta e sexta no Centro Cultural de Belém. A partir de Constança Capdeville, eis Modo Portátil.

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Sessão de trabalho de Modo Portátil
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São músicos, compositores, actores, bailarinos, artistas visuais, pensadores e alguns são tudo isso em simultâneo. Juntaram-se a partir de sessões promovidas pelo Centro de Formação Artística Contemporânea (CFAC) – Modo Portátil. Esta quinta e sexta, no pequeno auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, apresentam uma performance-apresentação, que reflectirá o trabalho feito em ambiente laboratorial ao longo de meses.

No centro estará a obra e modo de operar da compositora, pianista e percussionista Constança Capdeville, falecida em 1992. Foi a partir dela que 12 agentes artísticos (e um convidado especial, o apresentador da TV Eládio Clímaco) se juntaram.

Alguns são conhecidos por desenvolverem trabalho em áreas específicas – o teatro no caso de André e. Teodósio e Patrícia Silva, a música segundo António de Sousa Dias ou Joana Sá ou as artes visuais no caso de Inês Botelho e Tatiana Macedo –, mas na verdade todos se movem entre tangentes e fronteiras criativas.  

O propósito? Reflectir a contemporaneidade da obra de Constança Capdeville e mostrar que a transversalidade é um facto dos nossos dias, existindo quem não se reveja nas escolas disciplinares comuns, actuando, ou desejando fazê-lo, em zonas de contacto.

“O projecto começou pela vontade de criar uma escola”, revela o saxofonista e compositor Carlos Martins, coordenador do CFAC e responsável pela Associação Sons da Lusofonia, que produz o evento. Mas não se trata de uma escola formal. A ideia inicial era ter uma estrutura, um edifício, onde fosse possível cruzar práticas artísticas, com residências, debates e apresentação de trabalhos.

“Uma espécie de laboratório para juntar artistas, criando, co-criando, estudando, formando e pensando o que é trabalhar em conjunto, interrogando o estado da arte em Portugal”, resume.  

“É qualquer coisa que faz falta a Lisboa e a Portugal” diz. “Na década de 1980 os artistas portugueses cruzavam-se, havia criação conjunta, depois isso perdeu-se.” O projecto da escola não foi abandonado, até porque a Câmara de Lisboa poderá disponibilizar um espaço, mas está adiado. “Não obtivemos do nosso patrocinador principal, a fundação EDP, 300 mil euros anuais”, diz Carlos Martins.

O ano passado o Modo Portátil fez apresentações públicas de trabalhos gerados por vários agentes no estúdio de criação da coreógrafa Clara Andermatt. Agora sucedem-se novas apresentações.

Um dos coordenadores das sessões de trabalho e responsável pela direcção artística (para além de Teodósio e Botelho) foi o compositor e artista multimédia António de Sousa Dias, que explicita que inicialmente foi estabelecida uma equipa de participantes. “Depois fomos trabalhando à base workshops,  improvisando, de forma a conhecermo-nos uns aos outros”, afirma, explicitando como o projecto foi sendo desenvolvido até ao espectáculo final, em formato de co-criação colectiva.

Ele, tal como Carlos Martins, teve oportunidade de trabalhar com Constança Capdeville, e não tem dúvidas quanto à sua relevância. “Não se resume à composição, nem a um género específico, como o teatro musical. Ela explorou outros domínios que se articulam num trabalho entre diferentes disciplinas. Foi impulsionadora de caminhos que hoje se clarificam. O que ela praticava era aquilo que, hoje, se diz ser a transdisciplinaridade – criação de objectos para cujo resultado concorrem várias disciplinas, mas do qual emerge algo que não se encontra em nenhuma delas.”

Será pois um espectáculo não de teatro, não de música, não de dança e não de videoarte, mas tudo isso ao mesmo tempo, formando num novo corpo, aquilo que se poderá ver. Um processo que também transforma os seus intervenientes.

“É inevitável”, diz. “Depois de ver como é que a Inês Botelho pensa o espaço, ou o que a Tatiana Macedo pensa sobre a abordagem à videoarte, ou o que o Jonas Runas ou a Joana Sá pretendem dos microfones. Depois de passar por isso já não posso olhar para as coisas da mesma forma. Sai-se mais rico daqui.”

No início e no fim do processo, está Constança Capdeville. “Se olharmos para trás, qual é o artista que se compara no cruzamento transdisciplinar?”, interroga Carlos Martins. “Ela é a mestra”, afirma. “Estamos a fazer o que ela fez com outros compositores e autores”, conclui António de Sousa Dias, “que é pegar nela e fazer uma coisa nossa a partir daí.”

 

 
 
 
 

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