No reino da democracia directa

“É contra a imigração em massa?” — uma pergunta cuidadosamente elaborada pela extrema direita suíça, a UDC, mestre em usar e abusar desta ferramenta política e propagar a xenofobia por terras helvéticas

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Michael Buholzer/Reuters

No domingo, os suíços foram chamados às urnas. Um domingo igual a muitos outros no país da democracia directa, onde o povo é apelado a pronunciar-se regularmente sobre os mais variados assuntos.

Visto como um luxo para uns, como marco de uma das democracias mais avançadas para outros, o referendo é uma arma política poderosa e perigosa, como se viu dia 9 de Fevereiro.

Um belo instrumento de controlo dos poderes públicos, o referendo popular pode ser iniciado por qualquer cidadão suíço desde que sejam depositadas um certo número de assinaturas junto da chancelaria federal a favor do mesmo.

No seguimento de uma dessas iniciativas populares, este domingo, foi colocada a seguinte pergunta aos suíços: “É contra a imigração em massa?”.

Uma pergunta cuidadosamente elaborada pela extrema direita suíça, a UDC, mestre em usar e abusar desta ferramenta política e propagar a xenofobia por terras helvéticas. Por detrás desta pergunta falaciosa, encontra-se um texto que visa restringir a livre circulação prevista pelos acordos bilaterais assinados entre a Suíça e a UE. Para que a iniciativa fosse adoptada tinha de obter uma dupla maioria: a dos cantões e a do povo.

A iniciativa acabou por passar por uns meros 19 516 votos de diferença, enfatizando a famosa cisão política e cultural entre cantões germanófonos (a favor) e francófonos (contra), cisão referida humoristicamente por “Röstigraben".

A consequência do resultado deste referendo será uma óbvia deterioração das relações com a UE. Apesar de a diplomacia suíça ser perita em salvar o país do isolamento, como tem vindo a fazer após o chumbo popular à entrada da Suíça no Espaço Economico Europeu em 1992.

O triste resultado de domingo também levanta a questão da legitimidade e do perigo da democracia directa.

?? “É difícil aceitar que o voto de indivíduos que não entendem as consequências da iniciativa tenha o mesmo peso que um voto informado”, desabafava uma amiga politóloga, frustrada com os “slogans” populistas, os panfletos desumanizando os estrangeiros que tinham chegado para convencer os seus compatriotas.

Muitos caíram na armadilha. E, estranhamente, muitos que também são estrangeiros. Como é o caso, infelizmente não isolado, da senhora suíça e portuguesa, que ligou para saber como se votava “contra os estrangeiros”, esquecendo-se de retribuir aos outros o que o país adoptivo lhe tinha dado quando era apenas uma “estrangeira”.

??Perante a instrumentalização e subversão política do referendo, alguns suíços querem aumentar a quantidade de assinaturas necessárias para que uma iniciativa chegue a ser submetida à opinião dos cidadãos.

A verdade é que a UDC faz mais do que ser simplesmente contra a UE, e as suas políticas. A UDC, como todas as extremas direitas, fomenta o ódio do outro, do imaginário estrangeiro perigoso. E contra nós próprios também, porque somos todos estrangeiros algures.

Quando o odio é assim facilitado, a democracia directa, invejada por muitos, torna-se numa verdadeira arma de destruição “massiva” da inteligência de um povo.

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