Por que é que se discute os Mirós do BPN na base do “tudo ou nada”?

João Fernandes, director adjunto do museu Rainha Sofia, de Madrid, está a acompanhar a polémica à distância. O curador português diz que o conjunto do BPN tem “obras que nenhum museu desdenharia” e que é com essas que o Estado deve ficar.

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João Fernandes frente a um dos ícones da colecção do Rainha Sofia – Guernica, de Pablo Picasso DR

João Fernandes está em trânsito. O curador português que é hoje o director adjunto do Museu Nacional Centro de Arte Rainha Sofia, em Madrid, prepara-se para inaugurarn esta quarta-feira em Seattle, nos Estados Unidos, Miró: The Experience of Seeing , uma exposição que mostra 50 obras executadas entre 1963 e 1983 pelo artista catalão, que, nas últimas semanas, tem sido presença constante nos jornais, rádios e televisões portugueses por causa de um conjunto de pinturas, desenhos e colagens que pertenceu ao Banco Português de Negócios (BPN), cujo processo de nacionalização começou em Novembro de 2008.

Mesmo à distância, com o gabinete em Madrid, o antigo director artístico do Museu de Arte Contemporânea de Serralves tem acompanhado como pode o debate que está a provocar este conjunto do BPN, a que prefere não chamar “colecção”: “Para termos uma colecção, estas obras teriam de formar um núcleo coeso, coerente. Neste acervo não só não há um fio, uma estrutura, como também não há qualquer solidariedade entre as obras”, explica, sublinhando, no entanto, que nunca as viu ao vivo, apenas consultou os dois catálogos que dela se ocupam, sendo o último o da leiloeira que se preparava para vender o conjunto no início deste mês, a Christie’s.

“Tenho menos apreço pela totalidade do conjunto do que por algumas peças isoladamente”, diz João Fernandes (n. 1964), director adjunto de um museu que guarda uma colecção de Mirós que está entre as mais significativas do mundo (a destacar ainda a da fundação do artista, em Barcelona, a do Pompidou de Paris e a do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque). “Não vejo, aliás, razão para se estar a discutir este assunto na base do ‘tudo ou nada’. Porque é que Portugal não pode ficar só com as obras mais significativas, já que Miró não está representado nas colecções públicas? Porque é que se discute ficar com as 85 ou com nenhuma? É estranho.”

Lembra o curador que, em Portugal, à excepção de eventuais coleccionadores privados que guardem obras do catalão em sua casa, de que não tem conhecimento, o artista só está representado nos acervos do Centro de Arte Moderna da Fundação Gulbenkian (seis gravuras) e no Museu Berardo (um desenho e uma pintura). “Não podemos dizer que haja um Miró marcante no país e, também por isso, a possibilidade de Portugal ficar com algumas das obras do conjunto de 85 do banco é única, uma oportunidade a não perder”, diz João Fernandes, para quem as condições em que o país passaria a ser dono de alguns Mirós são “extremamente favoráveis”: “Ainda que a qualidade do conjunto seja desigual, há nele obras que nenhum museu do mundo desdenharia”, acrescenta, alertando para a impossibilidade de o Estado as vir a comprar se estivessem no mercado aberto e fosse obrigado a enfrentar a concorrência internacional. “Simplesmente não teria dinheiro.”

Quanto ao destino que se daria às obras do conjunto que viessem a ser compradas, o curador é claro – tudo depende do que o Estado quer para cada um dos seus museus de arte moderna e contemporânea. “O Estado precisa de uma estratégia para esta área, precisa de definir o perfil e a identidade de cada instituição: Serralves, Museu do Chiado, Centro Cultural de Belém... Para os pôr no Chiado, por exemplo, há que pensar numa outra proposta de museu.”

António Olaio, artista e professor da Universidade de Coimbra, também é da opinião de que o país não precisa de 85 Mirós – até porque no meio daquele conjunto há certamente peças pouco significativas, defende –, mas diz que “seria obviamente interessante” poder integrar numa colecção nacional “uma ou outra obra mais importante” do acervo que pertenceu ao BPN de Oliveira Costa. “É claro que, para isto, é preciso analisar bem a colecção, porque eu não sei até que ponto pode ser partida”, acrescenta.

Para Olaio, o debate da permanência deste conjunto em Portugal não pode ser alheado de outro, mais alargado, que envolve a situação económica do país e a “falta de uma política cultural consistente”: “Quando o apoio às artes plásticas e aos museus é tão deficiente, seria desproporcional ficar com todas estas obras.”

 

 

 

 

 

 

 

 
 

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