O sentimento de impotência torna o mundo literalmente mais pesado

A ideia que temos do nosso próprio poder, tanto ao nível das nossas relações pessoais como em termos sociais, influi sobre a nossa percepção das características físicas dos objectos reais, afirmam cientistas.

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A percepção do peso das coisas varia com o sentimento de poder Nikodem Nijaki/Wikimedia Commons

A maior parte de nós já terá sentido o peso do mundo nos seus ombros ao acordar numa manhã triste. Mas agora, dois psicólogos afirmam ter obtido a primeira prova tangível de que a nossa disposição mental influi literalmente sobre o peso que atribuímos aos objectos reais. Mais precisamente, o sentimento de poder – ou da falta dele – altera a nossa percepção do mundo físico.

Eun Hee Lee e Simone Schnall, da Universidade de Cambridge, Reino Unido, recrutaram, “em troca de uma barra de chocolate”, voluntários para realizar três tipos de tarefas, escrevem na revista Journal of Experimental Psychology.

O primeiro teste visava determinar se existia de facto uma correlação entre o sentimento de poder e a percepção do peso físico das coisas. Para isso, pediram a 145 pessoas para auto-avaliarem o seu nível de poder social através da concordância ou não com frases do tipo “Consigo fazer-me ouvir pelos outros”. E a seguir, pediram-lhes para estimar o peso de uma série de caixas cheias de livros. Conclusão: quanto menor era o sentimento de poderio social da pessoa, maior o peso estimado das caixas. A correlação parecia existir.

No segundo teste, que envolveu 41 participantes, os cientistas quiseram confirmar que a alteração perceptual detectada no primeiro teste era apenas devida ao sentimento de poder ou da falta dele e não a outros factores. Para isso, “manipularam” esse sentimento, fazendo variar a postura que as pessoas adoptavam quando se sentavam numa cadeira. Uma das posturas sugeria poderio (um braço no braço da cadeira, o outro numa secretária, pernas traçadas com o tornozelo de uma delas em cima da coxa oposta); a outra submissão (mãos debaixo das coxas, ombros encurvados, pernas juntas).

Poderoso ou submisso?
Tudo isto foi feito sem que os voluntários suspeitassem qual era o objectivo final do estudo. Aqui, alegadamente, o teste pretendia testar a ergonomia da cadeira – o que justificava ser-lhes pedido, a seguir a cada uma das duas posturas, para levantarem uma série de caixas e avaliar o seu peso.

Antes de se sentarem na cadeira, todos os participantes sobrestimaram o peso das caixas; mas a seguir à postura de poder, cada um forneceu estimativas mais acertadas. Pelo contrário, depois da postura “submissa”, cada um continuou a imaginar que as caixas eram mais pesadas do que realmente eram. Era o factor poder que alterava a percepção do peso.

No terceiro e último teste, pediu-se a 68 voluntários para se lembrarem de uma situação pessoal em que se tivessem sentido poderosos ou impotentes – e a seguir, para avaliarem o peso de mais uma série de caixas. Aqui, a ideia era determinar “se o poder faz com que os objectos pareçam mais ligeiros ou se é a falta de poder que os faz parecer mais pesados”, escrevem os cientistas. O pretexto alegado desta vez foi o estudo da influência do exercício físico sobre a memória autobiográfica das pessoas. Resultado: aqueles que evocaram um episódio de poderio conseguiram estimar o peso com maior precisão do que os que se lembraram de uma situação de impotência – que continuaram a atribuir um peso excessivo às caixas.  

No fim do segundo e terceiro testes, os autores verificaram que os participantes não faziam de facto a mínima ideia de qual era o verdadeiro tema da pesquisa por detrás das tarefas – algo que, a acontecer, teria enviesado as suas respostas.

Com base nestes resultados, os cientistas concluem não só que a sensação de poder – ou de falta dele – altera literalmente a percepção do peso dos objectos, como também (com base no terceiro teste) que é a impotência psicológica ou social que torna os objectos mais pesados e não o poder que faz diminuir o peso percepcionado.

“O presente trabalho sugere que o facto de se sentir impotente – quer devido a traços da personalidade no trato com outrem, quer devido a um papel social desfavorecido, – leva as pessoas a perceberem os objectos de forma diferente quando confrontadas com desafios com os quais os seus recursos não lhes permitem lidar”, escrevem ainda.

E terminam assim: “O comentário do ex-primeiro-ministro italiano Giulio Andreotti, que dizia que o poder só cansa os que não o detêm, deixa de ser uma conjectura sem fundamento. Os nossos dados sugerem que o mundo dos que não têm poder está efectivamente repleto de pesadas cargas.”

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