Referendo suíço sobre imigração ameaça reforçar extrema-direita europeia

Rui Machete garante que portugueses regularizados na Suíça “não têm que estar preocupados”

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Os defensores do "não" à imigração ganharam com 50,3% dos votos no referendo MICHAEL BUHOLZER/AFP

O referendo de domingo na Suíça em favor da introdução de restrições à livre circulação de cidadãos da União Europeia (UE) poderá ter sérias consequências para as relações bilaterais, mas provavelmente o impacto mais sério será o reforço das teses da extrema-direita europeia.

Vários governos deixaram claro na segunda-feira que uma eventual introdução de quotas de entrada de cidadãos da UE no território nacional terá consequências para o acesso da Suíça ao mercado interno comunitário.

A Confederação Helvética não é membro da UE, mas tem uma relação muito estreita por via de vários acordos bilaterais que garantem, desde 1999, a livre circulação, para os dois lados, de pessoas, mercadorias, capitais e serviços. Estes acordos incluem uma cláusula dita de “guilhotina”, que determina que se alguma das suas vertentes for posta em causa, as outras caem. Do mesmo modo, os acordos de Schengen de circulação dos cidadãos europeus sem controles nas fronteiras internas, de que a Suíça é membro, também deixarão de se aplicar ao país.

Neste contexto, se Berna avançar para uma lei de concretização do resultado do referendo – o que, segundo a legislação nacional, terá de ser feito num prazo máximo de três anos – e criar de forma unilateral quotas de entrada de cidadãos da UE, os 28 terão de suspender pelo menos uma parte dos acordos.

“A livre circulação de cidadãos é parte integrante" dos acordos entre a UE e a Suíça, por isso "não podemos aceitar restrições como aquela que foi votada no domingo sem que isso tenha uma implicação sobre os acordos que temos com a Suíça”,disse a porta-voz da Comissão Europeia, Pia Ahrenkilde-Hansen.

Por enquanto, os responsáveis europeus ainda não receberam qualquer indicação de Berna sobre as suas intenções. Os suíços terão no entanto de confirmar esta semana a extensão à Croácia (que aderiu à UE em Julho de 2013) da livre circulação de cidadãos já acordada a 25 dos 28 países da UE – a Bulgária e Roménia, os últimos países a aderir (além da Croácia), ainda não beneficiam plenamente deste direito. Bruxelas deixou claro que se os suíços recuarem no que respeita à Croácia, a sua participação nos programas Erasmus de intercâmbio de estudantes e de investigação científica será imediatamente suspensa.

Antes mesmo de conhecerem as intenções exactas do Conselho Federal (Governo) suíço, vários responsáveis europeus avisaram na segunda-feira que a denúncia da livre circulação de cidadãos terá consequências para os suíços.

"Não podemos deixar passar", afirmou Didier Reynders, ministro belga dos Negócios Estrangeiros à margem de uma reunião dos seus pares da UE.

O voto "vai ter consequências, isso é claro", disse igualmente Jean Asselborn, chefe da diplomacia do Luxemburgo, considerando que "não se pode ter por um lado um acesso privilegiado ao mercado interno da UE e por outro, diluir a livre circulação, as duas [vertentes] estão ligadas".

"Vamos rever as nossas relações com a Suíça", disse igualmente o ministro francês, Laurent Fabius, lembrando que, por causa da cláusula de "guilhotina", “vai ser preciso renegociar" a totalidade dos acordos com o país.

Rui Machete, ministro português dos Negócios Estrangeiros, afirmou por seu lado que o Governo vai “seguir atentamente” os próximos desenvolvimentos e consultar os imigrantes portugueses na Suíça para colher “a sua opinião sobre a situação”. Segundo Machete, no entanto, “os portugueses que vivem na Suíça e que têm a sua situação regularizada não têm que estar preocupados” com a eventual imposição de quotas à imigração. Ao invés, “os portugueses que ainda não têm a sua situação estabilizada, regularizada, esses têm um motivo de preocupação e por isso mesmo nós também estamos preocupados”, afirmou. Segundo disse, “uma parte importante” dos cerca de 250 mil portugueses instalados na Suíça “tem a sua situação estabilizada”.

Machete disse também que Portugal não vai assumir qualquer iniciativa a nível bilateral com Berna. “A situação é resolvida através da UE, porque é através da UE que os nossos imigrantes (...) têm direito (...) à  situação de que gozavam”, vincou.

O resultado do referendo – em que, com 50,3% dos votos, os suíços responderam positivamente à questão dos limites à imigração defendida pelo Partido do Povo Suíço (direita populista e nacionalista) – suscitou o entusiasmo dos partidos de extrema-direita em toda a UE e reacendeu um debate que todos têm tentado levantar na perspectiva das eleições europeias de Maio, para grande embaraço dos partidos moderados e dos governos nacionais.

"O que os suíços podem fazer, nós também podemos", resumiu Geert Wilders, o líder do partido populista e xenófobo holandês PVV, que, segundo as sondagens, será o mais votado em Maio. Os partidos de extrema-direita em França, Reino Unido e Áustria assumiram o mesmo discurso, de tal forma que a questão do controle da imigração tem boas probabilidades de se tornar no tema mais quente das eleições europeias.

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