Açores negam relação entre alterações ao projecto e incumprimento da velocidade contratada

Berta Cabral, actual secretária de Estado da Defesa, apoiou devolução do navio Atlântida, decidida pelo governo socialista do arquipélago. Actual executivo continua a não justificar a escolha dos russos da Petrovalt.

Foto
Vasco Cordeiro recusa uma relação causa-efeito das alterações PÚBLICO

O governo regional dos Açores nega existir “qualquer relação entre as alterações introduzidas no navio Atlântida e o incumprimento do requisito de velocidade” que fundamentou a sua devolução.

Essa conclusão, frisa o presidente do executivo açoriano, consta do relatório técnico da empresa certificadora internacional Germanischer Lloyd. De qualquer modo, lembra Vasco Cordeiro, as alterações foram acordadas entre a transportadora pública Atlânticoline e os Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC) e “visaram melhorar o conforto, a operacionalidade e a navegabilidade do navio nos portos dos Açores”.

“As alterações introduzidas contaram sempre com a concordância dos ENVC”, garantiu ao PÚBLICO o actual presidente que, no anterior governo chefiado por Carlos César, foi o responsável, como secretário regional da Economia, pelo processo negocial que culminou com a devolução do navio.

“Não existe qualquer relação causa-efeito entre as alterações introduzidas no decurso do processo de construção do navio e o incumprimento, por parte dos ENCVC, da velocidade contratualizada”, concluiu também a comissão parlamentar de inquérito ao processo de construção dos navios Atlântida e Anticiclone, constituída na Assembleia dos Açores. O relatório aprovado em Julho de 2010, por maioria (com os votos a favor do PS, CDS/PP e PCP e contra do PSD) refere que os testes de velocidade e potência realizadas pela Germanischer Lloyd, em Março de 2009, apuraram uma velocidade de 16,56 nós medida a 85% de potência, com 5 metros de calado. E que a simulação então realizada por esta mesma entidade certificadora apurou, para um navio com um calado correspondente ao do navio sem alterações (4,6 m) “uma velocidade 17,27 nós, igualmente abaixo dos limites contratualizados”.

Quanto à elaboração dos projectos finais, bem como a sua construção, os deputados confirmaram que era da exclusiva responsabilidade da sociedade ENVC que “sempre garantiu que o Atlântida cumpriria com a velocidade contratada”. Com base em documentação e depoimentos recolhidos, verificaram ainda que “o adjudicatário não teve capacidade de resposta para satisfazer o contrato em todas as suas vertentes, nomeadamente a elaboração dos projectos finais e construção”.

De acordo com os termos do contrato assinado entre os estaleiros e a empresa pública açoriana, em Setembro de 2006, os ENVC assumiram a obrigação de elaborar o projecto de construção do navio, “tendo perfeito conhecimento do teor da memória descritiva e desenho de arranjo geral, esses sim facultados pela Atlânticoline”, argumenta o governo regional. Igualmente nos termos do referido contrato, acrescenta, os estaleiros “assumiram a obrigação de garantir o resultado final do navio, em termos de cumprimento de todos os requisitos”.

A Atlânticoline não entregou, nem tinha de entregar, aos ENVC o projecto de construção do navio Atlântida, sublinha o executivo açoriano, sem justificar a opção pela Petrovalt que elaborou, a seu pedido, os planos de arranjo geral indicativos (ante-projecto) fornecidos no programa do concurso e no caderno de encargos.

Berta Cabral apoiou decisão de Carlos César 
A devolução do navio, decidida pelo governo presidido pelo socialista Carlos César, contou com o apoio de Berta Cabral, actual secretária de Estado da Defesa, que, como líder do PSD nos Açores e candidata à presidência do governo regional, assumiu uma posição divergente da do seu partido em relação ao caso do navio Atlântida e do próprio Ministério da Defesa que tutela os estaleiros.

“Se o PSD fosse governo, rescindia de imediato o contrato com os estaleiros relativamente à construção do navio Atlântida. O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Se estamos perante ‘uma espécie de navio’, mais vale cortar o mal pela raiz e começar de novo, de forma segura e transparente”, afirmou Berta Cabral, no encerramento das jornadas parlamentares do PSD/Açores.

Em Março de 2012, reiterou que “se não corresponde às especificações, não tem de ficar”. O governo regional “não pode ficar com o navio Atlântida, se não corresponde ao caderno de encargos”, defendeu, alegando que a sua missão é "defender os Açores e, se o barco não serve os Açores, não vem para os Açores".

Para substituir os navios devolvidos, a empresa pública açoriana para transporte inter-ilhas fretou ao armador grego Hellenic Seaways dois navios ("Express Santorini" e "Hellenic Wind"), na sequência de concurso público internacional que abrange as operações sazonais de 2013 e 2014, com opção de prorrogação para 2015. O concurso fixa que a velocidade mínima de um dos navios deve ser de 19 nós (a 85% MRC), acima dos 16,56 nós (a 85% MRC) disponibilizada pelo Atlântida.

O concurso, publicado em Diário da República, tem um valor máximo de 16,4 milhões de euros. No caso dos custos, “são situações, obviamente, distintas e que, como tal, não merecem qualquer comparação”, frisa o governo. No caso do Atlântida “tratava-se de um processo de construção para posterior exploração”, enquanto os navios contratados para o serviço de transporte de passageiros e viaturas “fazem-no através de fretamento ´time charter´, em que todos custos são suportados pelo proprietário dos navios, nomeadamente toda a tripulação técnica, grande e pequena manutenção, certificações e adaptações dos navios à operacionalidade dos portos dos Açores”.

Sugerir correcção
Comentar