Divulgação de conversa sobre a Ucrânia ofensiva para a UE embaraça EUA

Responsável do Departamento de Estado discute méritos dos líderes da oposição e tece comentários ofensivos sobre a UE. Rússia denuncia ingerências, agravando guerra de palavras entre Washington e Moscovo.

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Victoria Nuland com os três líderes da oposição: Oleg Tiahnibok, Vitali Klitschko e Arseni Iatseniuk ANDREW KRAVCHENKO/AFP

A disputa pela influência da Ucrânia atingiu níveis retóricos que recordam a Guerra Fria, com a Rússia a acusar os Estados Unidos de estar a armar a oposição e Washington a denunciar os “métodos” de Moscovo, atribuindo-lhe a divulgação de uma conversa em que dois diplomatas americanos discutem a estratégia para a transição política na Ucrânia, e criticam o papel da União Europeia no diferendo.

A gravação, intitulada As Marionetas da Maidan, foi colocada no YouTube na terça-feira, mas só começou a circular nas redes sociais dois dias depois, horas antes de o Presidente ucraniano, o pró-russo Viktor Ianukovich, receber Victoria Nuland, a secretária de Estado adjunta norte-americana que é uma das vozes identificadas no registo. A outra voz é a do embaixador norte-americano em Kiev, Geoffrey Pyatt, com quem a responsável discute os méritos dos líderes dos três partidos da oposição envolvidos nos protestos.

“Não creio que [Vitali] Klitschko deva ir para o Governo, não é necessário e não penso que seja boa ideia”, diz a responsável norte-americana, referindo-se ao antigo campeão de boxe a quem o Presidente ucraniano ofereceu, no final de Janeiro, o cargo de vice-primeiro-ministro, numa tentativa de pôr fim aos protestos, desencadeados pela sua recusa em assinar um acordo de associação com a União Europeia (UE).

Klitschko recusou a oferta, à semelhança de Arseni Iatseniuk, líder do partido da antiga primeira-ministra Iulia Timochenko, convidado para chefiar um governo de transição e que Nuland descreve como “a pessoa certa, porque tem experiência económica e governativa”.

Embaraço para Washington
A divulgação da conversa é um embaraço para Washington, não só porque põe em causa a segurança das suas comunicações diplomáticas e reforça as acusações russas de ingerência na política ucraniana, mas também porque a responsável do Departamento de Estado tece comentários ofensivos em relação à UE. Comentando a necessidade de envolver as Nações Unidas nas negociações para a formação de um novo Governo, Nuland diz a certo ponto: “Sim, isso seria óptimo, é importante ter a ONU para ajudar a unir as pontas e, sabes, fuck the EU…” O embaixador concorda e acrescenta: “Sim, temos que fazer alguma coisa para que isto avance porque, se isso não acontecer, os russos estão a trabalhar na sombra e vão tentar torpedear isto”.

A porta-voz do Departamento de Estado norte-americano recusou comentar o conteúdo da gravação, mas não desmentiu a sua autenticidade e disse que tanto Nuland como Psaki pediram desculpa à UE pelas declarações que lhes são atribuídas. Em conferência de imprensa, Jen Psaki nega que a conversa prove que os EUA estão a influenciar o curso dos acontecimentos na Ucrânia – “não deveria ser surpresa para ninguém que responsáveis americanos falem sobre os acontecimentos do mundo” –, insistindo que a divulgação da gravação é “um novo ponto baixo dos métodos da Rússia”.

Um porta-voz da Casa Branca não teve também dúvidas em atribuir a Moscovo a autoria da divulgação da conversa, sublinhando que foi um assessor do Governo russo quem primeiro chamou a atenção para a gravação, através de uma mensagem publicada no Twitter na quinta-feira. “Penso que isso diz algo sobre o papel da Rússia”.

A União Europeia não quis comentar as declarações atribuídas a Nuland, mas um porta-voz da chanceler alemã, Angela Merkel, afirmou que tais afirmações são "absolutamente inaceitáveis" e sai em defesa de Catherine Ashton, a chefe da diplomacia europeia, que Berlim assegura "estar a fazer um trabalho extraordinário" na mediação dos contactos entre o Presidente ucraniano e a oposição.

A conversa de Nuland foi divulgada em simultâneo com uma outra gravação em que a “número dois” de Ashton se queixa das críticas americanas à estratégia dos Vinte e Oito para a Ucrânia. “É muito irritante que os americanos andem por aí a criticar a UE, a dizer que somos muito brandos”, diz a responsável na conversa com o embaixador europeu em Kiev.

Rússia avisa que pode intervir "activamente"
E se o ambiente estava já envenenado, pior ficou com a entrevista de Sergei Glaziev, o responsável no Kremlin pela gestão dos assuntos ucranianos, que acusou os Estados Unidos de estarem a entregar “20 milhões de dólares por semana” à “oposição e aos rebeldes” na Ucrânia, indo ao ponto de afirmar que “dentro da embaixada americana há treino de combatentes” armados por Washington.  

Glaziev, entrevistado pela edição ucraniana do jornal Kommersant, acusou ainda Nuland de “chantagem”, por supostamente ter dito a empresários ucranianos com quem se encontrou durante a visita a Kiev que os seus investimentos no estrangeiro poderiam ser apreendidos se não apoiassem a oposição. Questionado sobre se Moscovo estava a ponderar “intervir activamente” na resolução da crise ucraniana, o assessor do Kremlin lembrou que o acordo que em 1994 levou a Rússia a retirar as suas armas nucleares da Ucrânia define “a Rússia e os EUA como garantes da soberania e da integridade territorial” do país. “Estamos por isso obrigados a intervir quando surgirem situações de conflito”, acrescentou.

Horas antes de Ianukovich se encontrar com o Presidente russo em Sochi, na abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno, Glaziev deu a entender que a paciência de Putin se está a esgotar com a inacção do Presidente ucraniano. “Quanto ao uso da força, pensamos que, numa situação em que as autoridades enfrentam uma tentativa de golpe de Estado, não há outra opção”.

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