Projectos de interesse nacional poderão “suspender” regras do ordenamento marítimo

À semelhança do que se passara com os Projectos de Potencial Interesse Nacional (PIN) em terra, o ordenamento do espaço marítimo também poderá vir ser “total ou parcialmente” suspenso, quando houver grandes investimentos no mar.

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Pescadores, viveiristas e mariscadores reclamam contra mais obras na ria Formosa Pedro Cunha/Arquivo

Os instrumentos de ordenamento do espaço marítimo nacional “podem ser total ou parcialmente suspensos” quando estiverem em causa investimentos ditos de interesse nacional. Esta é uma das propostas contidas no projecto de lei que estabelece as bases do ordenamento e da gestão do espaço marítimo nacional. Os cerca de 1300 viveiristas da ria Formosa sentem-se ameaçados pelas “grupos de interesses” que poderão estar interessados na exploração das zonas lagunares, relegando para plano secundário o valor social e cultural das comunidades piscatórias da Culatra e das outras ilhas.

No passado fim-de-semana teve lugar, em Olhão, no decorrer da última audiência pública sobre a proposta de lei de ordenamento marinho que vai hoje ser votada pelo grupo de trabalho da comissão parlamentae de Agricultura e Mar, encarregue de analisar o diploma. A presidente do grupo de trabalho, Ana Paula Vitorino, PS, reconheceu, durante a discussão pública, que é dada “preferência ao poder económico” na avaliação dos projectos de interesse nacional, mas afirmou defender uma posição contrária: “A criação de riqueza não pode ser a qualquer custo”.

A presidente da associação de moradores da Culatra, Sílvia Padinha, lembrou que as comunidades piscatórias estão “em vias de extinção”, motivo pelo qual defendeu a necessidade de acautelar, na nova legislação, os seus interesses: “Os pescadores têm de concorrer com o poder económico”, disse, referindo-se às áreas de afectação para a exploração de aquacultura, nesta zona algarvia.

Segundo a deputada Ana Paula Vitorino, uma das alterações ao projecto de lei do Governo propostas pelo PS é que as águas salobras e de estuários também ficassem abrangidos por este diploma, que deverá subir a plenário para votação e discussão dentro de uma semana. Uma proposta com a qual o secretário-geral da Associação Portuguesa de Aquacultura, Fernando Gonçalves, disse concordar “em absoluto”. “Só temos pena que as águas interiores não sejam também integradas”, afirmou, manifestando a esperança que essa reivindicação seja considerada, em regulamento a sair depois da aprovação da lei.

Já o administrador da Necton, João Navalho, pioneiro na criação de microalgas para a aquacultura, mostrou-se “muito céptico” em relação à  proposta. “Receio que se esteja a retalhar o mar para cobrar algumas licenças”, disse. Da experiência que possui em lidar com os vários organismos com jurisdição na orla costeira, concluiu, o problema não está, muitas vezes, na falta de lei, mas sim na forma como são interpretados os diplomas, ganhando amplitudes diferentes, consoante a pessoa que os interpreta - biólogo, jurista, economista ou engenheiro. “Façam uma cábula para ver se nos entendemos”, sugeriu

A nova lei que pretende definir o ordenamento no espaço marítimo nacional, abre espaço a novas concessões de explorações e obriga a redefinir e ordenar algumas áreas. De acordo com os regulamentos, as licenças para exploração dos viveiros da ria Formosa tem de ser renovadas em 2015, devendo o pedido ser efectuado este ano.

O coordenador da comissão de agricultura e mar, do grupo parlamento do PS, Miguel Freitas, defende que seja “exercido o direito de preferência” para os viveiristas actuais, no caso de concurso público para atribuição de licenças. Neste capítulo, sugeriu ainda que seja dada um prazo de mais dois anos para legalizar os viveiros existentes, alegando que a “administração não foi capaz de acautelar, em devido tempo, a reclassificação que a lei impunha ”.

Os viveiristas da ria Formosa manifestam o receio que a legislação venha a abrir portas à entrada das grandes empresas francesas de produção de ostras, de forma directa ou indirecta, na atribuição de licenças para a produção de bivalves. “Pior que não haver regras, é haver regras que criem desigualdade no acesso a determinados recursos”, disse, Fernando Gonçalves, referindo-se à aquacultura.

Taxas para subsidiar investigação científica
Um parte do valor das taxas das licenças, a cobrar pelas actividades marinhas, deveria reverter para a criação de um fundo de investigação científica. A sugestão, tendo por base o trabalho que tem vindo a desenvolvido pela Universidade do Algarve sobre a área do mar, foi lançada no final do debate realizado em Olhão, tendo sido bem recebida por parte do grupo parlamentar socialista. A proposta de lei que hoje vai ser votada ainda não incorpora a proposta. O espaço marinho de Portugal representa cerca de 18 vezes a área terrestre e, no Algarve, a ria Formosa constitui o principal laboratório natural para a criação de mariscos mas é, ao mesmo tempo, também uma zona de conflito de interesses, por coabitar com as actividades ligadas ao turismo. 

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