Do maquinista ao cientista, os militantes do Livre prometem um “grito de impaciência” nas europeias

Novo partido alerta para "profundo fracasso" da esquerda se coligação PSD/CDS ganhar europeias. Renova apelo para a convergência e critica "alvoroço" pela conquista de eurodeputados.

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O órgão executivo do Livre foi eleito, mesmo antes do partido estar legalizado Pedro Granadeiro

A coragem de formar um novo partido de esquerda em Portugal foi uma ideia transversal aos dois dias do congresso fundador do Livre, no Porto. Mas quem integra este projecto político para além do rosto mediático do eurodeputado Rui Tavares? Há maquinistas ferroviários e sindicalistas. Mas destaca-se uma maioria de jovens e licenciados. São biólogos, médicos, arquitectos ou jornalistas. Muitos deles sublinham que nunca tiveram intervenção política, muito menos partidária.

O auditório da Biblioteca Almeida Garrett foi o palco escolhido pelos cerca de 250 membros e apoiantes para dar esse “passo difícil de formar um partido”, como reconheceu Tavares. O processo de recolha de assinaturas, feito nas ruas do país ao longo de cerca de dois meses, revelou o coro de “descrença” na política e o “trauma” em relação aos partidos, mas também a “imensa vontade de mudança”.

David Morais, 21 anos, veio de Lisboa e é finalista do curso de Ciências Política e Relações Internacionais. Candidato a um dos 48 lugares da Assembleia – órgão máximo entre congressos -, David gostava de ser jornalista e nunca pertenceu a um partido, porque não é a mesma coisa que aderir a “uma claque de futebol”. Considera-se social-democrata e, num momento em que “a esquerda abdicou da sua identidade e caiu em descrédito”, quer ver no Livre uma “esquerda moderna e progressista”.

Outro dos candidatos a dirigente é Diogo Ribeiro de Campos. Foi militante da JS e é “militante-correspondente” do partido comunista francês. O diagnóstico que faz é que nas juventudes partidárias já não se discutem “ideias”, mas “lugares”. O surgimento deste partido configura, para ele, a oportunidade de regressar aos ideais, ao mesmo tempo que oferece ao Livre a sua “grande formação em assessoria de imprensa”.

Nas moções específicas apresentadas durante a tarde deste sábado, os promotores privilegiaram temas tão distintos como a necessidade de mais socialismo, apostar na pesca ou definir estratégias para a saída do programa da troika. Mas também uma maior presença da ciência no futuro do país, como defendeu a bióloga Diana Barbosa, que tem um doutoramento sobre o comportamento sexual das lagartixas. E apresenta-se “com muitos outros”: “Sou bolseira. Sou republicana, ateia, humanista e feminista”.

“Fracasso da esquerda”

O Livre ainda não está formalmente constituído e remeteu para o início desta semana a entrega de cerca de 8500 assinaturas no Tribunal Constitucional (são necessárias 7500). Para o caso de não estar legalizado a tempo do sufrágio, fica a ressalva que "fará parte das próximas escolhas europeias, quer participe ou não nas eleições”.

O sufrágio de 25 de Maio é a oportunidade para discutir, pela primeira vez, a crise europeia e o Livre promete um “grito de alarme”, mas também de “impaciência” face a uma esquerda que nunca consegue convergir.

Na moção estratégica para as europeias - A exigência democrática, aprovada por unanimidade -, os dirigentes criticam o “alvoroço” dos partidos na discussão de nomes para liderar candidaturas. E, por outro lado, a ausência de ideias para a União Europeia (UE).

Depois de três anos de programa da troika, o Livre entende que “é agora a hora de decidir por uma UE progressista ou conservadora, pró-austeridade ou anti-austeridade, democrática ou tecnocrática”. Até porque, mais uma vez, “a direita vai junta” e a “esquerda dividida”. 

Alertam para "uma possível vitória da coligação PSD/CDS", concluindo que significaria uma “desmoralização” de quem se revê na oposição ao Governo e um “profundo fracasso” da resposta que a esquerda consegue dar. Enquanto em Portugal, “a catástrofe anunciada seria um governo dominado ou com a participação do PSD e do CDS”, na UE seria a continuação do Partido Popular Europeu, de direita, à frente dos destinos europeus, lê-se no documento.

Apesar da tentativa falhada de uma convergência, patrocinada pelo 3D e que incluiria o Livre, o BE e a Renovação Comunista, o Livre acredita que podem ser construídas "pontes" no futuro. E que é importante "assinalar que a convergência foi tentada e não tanto participar num jogo de culpas porque não foi bem-sucedida”.

“É preciso dizer que a esquerda poderia ir junta a estas eleições europeias, uma vez que a direita, com diferenças de política europeia talvez igualmente profundas, também o faz”, dizem. Mas enquanto a esquerda tarda a agir, fica o aviso de que "surgem líderes com tendências autoritárias que mudam constituições a seu bel-prazer ou tentam limitar o papel dos seus tribunais constitucionais”.

“A partir daí e durante cinco anos, os cidadãos estarão uma vez mais entregues à sua sorte”, concluem.
 
Dos 250 congressistas anunciados, apenas votaram 94 pessoas, 89 das quais a favor da lista (única) de Rui Tavares para o grupo de contacto (órgão executivo) e cinco abstiveram-se.  
 
 
 

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