Presidente da CCDR do Norte reclama “verdade” nos fundos comunitários

Financiamento de obras e localização em Lisboa de estruturas que gerem fundos de coesão continuam a gerar contestação a norte.

Emídio Gomes, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, considera que a gestão dos quadros de apoio financiados pela União Europeia tem padecido de “um problema de verdade”. Em causa está a prática do spill-over, que consiste em financiar obras ou projectos nas regiões mais ricas, como Lisboa ou Algarve, com verbas comunitárias destinadas ao Norte, ao centro ou ao Alentejo. “O spill-over é uma fantasia inacreditável”, considera Emídio Gomes, que, com Mira Amaral, participava no primeiro debate da série Olhares Cruzados promovido pelo PÚBLICO e pela Universidade Católica.

O presidente da CCDRN recusou comentar a posição do presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Moreira, sobre as negociações em curso com a Comissão Europeia, embora tenha afirmado que o que está a acontecer é “algo que penaliza” o Norte. Mas voltou a tecer duras críticas ao spill-over. Emídio Gomes afirma que esse conceito põe em causa a própria missão dos fundos estruturais, que se destina a promover a convergência das regiões mais pobres com as mais avançadas. E pergunta: “Por que razão não hão-de as estruturas pagas pelas regiões de convergência [as mais pobres] ficar nas regiões de convergência?”

Em causa está o investimento com os fundos de coesão de obras públicas que se acredita promoverem “externalidades positivas” para todo o país, mas principalmente o financiamento de instituições públicas com sede em Lisboa que gerem os financiamentos comunitários para as regiões de convergência. Casos do programa Compete, da Agência para a Inovação ou a InovCapital. Miguel Cadilhe, antigo ministro das Finanças de Cavaco Silva, considera essa aplicação de fundos de coesão em regiões mais desenvolvidas uma “treta” e entende que o potencial de desenvolvimento nacional a partir de investimentos em Lisboa não passa de uma forma de cumprir o provérbio “afaga-se a criança e come-se-lhe o pão”.

Mira Amaral, que foi ministro da Indústria na época do Pedip, programa comunitário de apoio à indústria portuguesa lançado em 1988, prefere “programas nacionais bem desenhados” a quotas regionais. Recusando a acusação de ser centralista – “Se o fosse não tinha espalhado tantos centros tecnológicos por todo o país”, justificou –, Mira Amaral considera que devem ser apoiados projectos e instituições de qualidade onde quer que se encontrem. “Cortar capacidade em nome de um conceito de igualdade, nisso não acredito”, diz Mira Amaral.

Emídio Gomes não nega que, por exemplo, o sistema científico e tecnológico baseado na região de Lisboa e Vale do Tejo (LVT) tenha de ser apoiado. “Seria contraproducente não apoiar tudo o que o país tem de bom”, explica. E em favor da sua tese argumenta que defendeu “muito” o aumento de verbas do próximo ciclo de fundos para LVT – a região passará de 300 para 900 milhões de euros. O problema, acrescentou, é que todo o processo seja “transparente e verdadeiro”. Ou, como explicou José Carlos Caldeira, investigador do Inesc-Porto, que as verbas “não sejam contabilizadas no Norte e gastas noutro lugar qualquer”.

Para o próximo ciclo, o Norte terá 3300 milhões de euros, uma verba cuja gestão, disse José Mendes, vice-reitor da Universidade do Minho e moderador do debate, “não é tarefa fácil”. Em resposta a uma pergunta de Pedro Deus, da consultora PwC, que queria saber que garantias haveria de que o Norte vai convergir com as regiões mais ricas (o que não aconteceu desde 1980), Emídio Gomes explicou que a sua convicção é que em 2020 a região estará mais competitiva. Dois terços da dotação financeira do próximo quadro serão destinados à actividade produtiva e o Norte promete “liderar a integração de jovens doutorados nas PME”.  

 

 
 
 
 

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