Nas primeiras páginas de Late Century Dream (2013) encontra-se um desenho do mapa do território continental dos EUA que cartografa a expansão do indie-rock americano, assinalando sete cenas musicais: Seattle, Phoenix (Arizona), Austin e Houston (Texas), Athens (Georgia), Chapel Hill (Carolina do Norte) e Chicago. O leitor é assim introduzido à geografia, aos espaços em que se desenrolaram as histórias que preenchem as páginas seguintes. Advinha-se a intenção do editor Thomas Howells: “Atenção, este não é um livro apenas sobre música pop. É um livro sobre a música feita num contexto cultural e social específico da história da América”. Passado este introito, o didactismo cede lugar aos textos de seis jornalistas.
Ao contrário de outro livro, Our Band Could Be Your Life, de Michael Azerrad (2001), Late Century Dream não propõe uma visão canónica do indie-rock, nem explora as relações pessoais ou a intimidade dos músicos para explicar os seus percursos. O que sobressai é a descrição de uma realidade e o modo como os indivíduos e ou comunidades enfrentaram as condições que ela apresentava ou transformava. Há portanto um certo pudor, um olhar recuado. Em vez dos protagonistas, destacam-se as personagens, em vez das anedotas, sublinham-se as visões do mundo, os sentimentos e as práticas que caracterizaram a música folk americana dos anos 70 e 80 (assim lhe chamou Bill Callahan).
Um dos mais interessantes repousa no desconforto provocado pela crescente impessoalização das relações entre músicos e editoras, muito bem ilustrada no capítulo dedicado à cena de Chappel Hill. Antes realizados por meio acordos verbais, muitas vezes sustentados em relações de amizade, os contratos começaram, a partir de 1994, a obedecer a alíneas complexas ou ao jargão do Direito Comercial. A par desta burocratização, algumas editoras, outrora as casas maternas dos músicos, sofriam uma mutação irresistível. Tornavam-se gestoras de carreiras, cada vez mais familiarizadas com as técnicas da publicidade e do marketing. As páginas dedicadas a Seattle são esse propósito contundentes e não poupam a Sub Pop. Mas se se viajar até à Athens do início dos anos 80, encontra-se outro ambiente, bem menos cínico. Foi nesta cidade que nasceram os REM, The B-52s ou Pylon e não foi por acaso. No campus da Escola de Artes da Universidade da Geórgia formou-se uma comunidade de artistas e músicos que permitiu o florescimento e a afirmação das bandas acima citadas. Tinham sonhos, até ambições, mas sobretudo desejavam tocar música envolvidos num espirito de camaradagem e solidariedade. Alguns não sabiam bem como fazê-lo, mas a intuição e a vontade derrotaram a ausência de formação e conhecimento. Uma meca artística onde todos podiam ser o que quisessem. Assim era Athens e assim era (e ainda é, presume-se) Austin. No despertar do undergroundmusical da cidade texana não esteve todavia apenas o meio universitário, mas algo inscrito na tradição social dos EUA: o associativismo. No centro de Austin, ligando cafés, lojas, pizzarias, casas particulares, formou-se uma verdadeira comuna onde todos os rejeitados eram bem-vindos: punks, artistas, drag-queens, homossexuais, exilados do Texas Rural, poetas. Os Butthole Surfers, bandas como The Dicks ou Big Boys, nasceram deste ninho que, na mesma época, tinha semelhanças evidentes com a realidade de Phoenix. Isolada no deserto e com raros espaços cultuais, a cidade do Arizona foi testemunha de um casamento improvável: durante cinco anos, o punk deu as mãos às vanguardas musicais e foram relativamente felizes, que o digam bandas como Meat Puppets ou Sun City Girls, personagens centrais dessa história. Na sua génese esteve, mais uma vez, o associativismo informal representado na vida de Mad Garden, espaço colectivo, comuna partilhada e criada, sob o sol abrasador, por músicos e artistas. E a história de Late Centry Dream acaba aqui. Ou talvez não.
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