Cartas à Directora

A praxe no fundo

Muito se tem comentado sobre os excessos da praxe a agora ainda mais depois da tragédia do Meco. Eu acho que para lá dos excessos há um problema sério de fundo, no princípio. “A praxe prepara-nos para a vida onde vamos encontrar chefes e regras”, dizem. Comecemos pelas regras. Elas devem existir quando há um propósito claro e têm uma finalidade útil. É importante estar definido que se circula na estrada pela direita. Agora, um conjunto complexo de regras delirantes sem sentido e sem utilidade que não seja, eventualmente, demonstrar o poder de quem as decreta não ensina nada de positivo, muito pelo contrário. Depois, a parte dos chefes. Na vida real, correcta, as hierarquias são ocupadas por quem demonstra ter mérito e capacidade para o ser. Há uma zona muito negra quanto ao poder nas tais comissões da praxe, por muito pomposa que possa ser a sua designação oficial. Como funcionam? Foram um dia criadas, assumiram a liderança do processo e ao longo do tempo o testemunho foi sendo transmitido conforme regras internas, sabe-se lá quais?… Daí que se possa e deva questionar qual a legitimidade e a representatividade destas comissões para imporem regras aos demais. Vamos lá a ver friamente: um grupo que se estabelece dentro de uma comunidade, com organização interna fechada e que subjuga o resto da comunidade a regras arbitrárias, humilhantes e mesmo agressivas não se enquadra num cenário de “tradição” e muito menos “académica”. Está mais próximo de um gangue de bairro!

E, para acabar, meninos: fazer caixinha para ninguém dizer quem atirou o avião de papel nas costas do professor é uma coisa; prejudicar deliberadamente a investigação da morte de seis colegas não é solidariedade de grupo: além de vergonhoso é, para todos os efeitos, criminoso.

Carlos J F Sampaio, Esposende

 

Crucifiquem-no!

Sou contra as praxes porque sou contra todo e qualquer processo de domesticação do ser humano. No entanto, basta assistir às reacções que suscita a recente tragédia da praia do Meco para se perder toda a esperança de podermos, algum dia, vir a ser um país de gente responsável. Os portugueses continuam a acreditar que os problemas e as desgraças se resolvem com caneta e papel. Uma pessoa senta-se numa cadeira, começa a legislar, a proibir isto e aquilo, e nunca mais morre ninguém.

Todos conhecemos o conto da Bela Adormecida em que o rei e a rainha, à boa maneira dos portugueses, mandaram cortar todos os espinhos do reino para que a sua filha não se picasse quando chegasse aos 16 anos. Todos os espinhos foram cortados e, azar dos azares, a sua filha chegou aos 16 anos e picou-se. Agora os nossos reis e rainhas querem proibir todas as praxes do reino para que os jovens passem a ser responsáveis, a deitar-se cedo e a deixar de ter brincadeiras parvas???!!!...

Não temos um mínimo de racionalidade. Tanto pedimos a pena de morte para o assassino como, passado pouco tempo, estamos a clamar pela sua libertação.

Somos um povo que os fariseus facilmente manipulariam para conseguir a libertação de Barrabás e a crucificação de Cristo. Os mesmos portugueses que, num dia, recebem alguém de forma triunfal são os mesmos que, no dia seguinte, são capazes de pedir a sua crucificação. E a prova disso é o julgamento sumário do jovem sobrevivente com base exclusivamente em suposições e na manipulação das emoções por parte dos novos fariseus.

Santana-Maia Leonardo, Abrantes

 

 

 
 
 
 
 

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