O futuro do Racing de Santander falou mais alto do que a Taça do Rei

Jogadores da equipa sensação da prova cumpriram a ameaça e recusaram-se a disputar a segunda mão dos quartos-de-final. O boicote vai custar caro ao clube e deixa a actual direcção no fio da navalha.

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Foto: Ander Gillenea/AFP

O árbitro Gil Manzano apitou para o início do encontro, os jogadores do Racing de Santander dirigiram-se até ao círculo central e abraçaram-se e os da Real Sociedad foram trocando a bola no seu meio-campo durante cerca de 40 segundos. Depois, atiraram-na pela linha lateral e a última partida dos quartos-de-final da Taça do Rei chegou ao fim. Um protesto silencioso que deixou a nu as fragilidades e as dificuldades que atravessa o futebol espanhol. Os adeptos estão solidários com a equipa e mostraram-no com uma rodada de aplausos, a equipa está irredutível na intenção de derrubar a direcção do clube mais representativo da Cantábria.

Desde o início da semana que tinha sido empunhado o machado de guerra. O repto lançado pelo plantel do Racing era muito claro: ou a direcção apresentava a demissão até à hora de realização do jogo da segunda mão dos quartos-de-final da prova, ou os jogadores recusar-se-iam a competir. Durante a tarde desta quinta-feira, ainda pairou no ar a possibilidade de o presidente do clube, Ángel Lavín, abandonar o cargo. Mas foi fogo de vista.

Com quase cinco meses de salários em atraso, os atletas do actual líder do terceiro escalão do futebol espanhol entenderam ter chegado a hora de dizer basta. A ameaça ainda agitou os bastidores da modalidade, motivou uma reunião com a AFE (Associação de Futebolistas Espanhóis), mas o plantel mostrou-se determinado a avançar com o boicote. “Estão fortes, unidos e não podemos fazer outra coisa que não seja apoiá-los”, referiu o presidente do organismo, Luis Rubiales.

A consequência imediata desta tomada de posição foi o apuramento automático da Real Sociedad (que tinha vencido no encontro da primeira mão por 3-1) para as meias-finais da Taça do Rei. A médio prazo, há outras sanções em perspectiva, nomeadamente a proibição de participar na próxima edição da prova e uma multa cujo valor ainda será determinado, para além de um eventual pedido de indemnização dos detentores dos direitos televisivos. Tudo isso foi tido em conta, mas nada disso foi suficiente para travar a greve.

“Não foi fácil tomar esta decisão, mas tínhamos de fazê-lo, porque esta gente só prejudica o clube. No ano passado, já havia sinais, viam-se coisas. Este ano assistimos à gota de água que fez transbordar o copo”, reagiu o defesa Javi Barrio, antes de recolher aos balneários. “Renunciámos ao que mais gostamos, queríamos jogar, mas não queremos que pisem os nossos direitos”, ilustrou o avançado Mariano Sanz.

Este protesto ganha ainda maior relevância pelo percurso que o Racing tinha vindo a trilhar na Taça do Rei. A pouco e pouco, a equipa foi fazendo história na prova, ao ponto de ter eliminado duas equipas da I Liga espanhola, o Sevilha (nos 16 avos-de-final) e o Almeria (nos oitavos-de-final). “É muito difícil fazer isto, sobretudo nos quartos-de-final. É uma situação extrema. Para nós, teria sido maravilhoso ter discutido a eliminatória”, descreveu o internacional sub-20 Oriol Lozano.

É um momento de pesadelo para um clube que em 2007-08 foi sexto na I Liga, que há apenas quatro temporadas participava nas competições europeias e que cumpriu no ano passado um século de existência. Depois de um período de múltiplas mudanças na presidência, a espiral negativa agravou-se com a entrada em cena da Ley Concursal e com a chegada de Ali Syed, um magnata indiano que, a 28 de Janeiro de 2011, se tornou no principal accionista dos cantábricos. Porém, rapidamente desapareceu nos bastidores.

Procurado pela Interpol por fraude financeira, o novo proprietário deu plenos poderes a Ángel Lavín, que passou a ser o rosto mais visível de um clube em queda. Um ano mais tarde, o Racing baixava ao segundo escalão e começavam a acumular-se as suspeitas de má gestão (as dívidas ao Fisco rondam os 12 milhões de euros) e as queixas de atrasos nos pagamentos. Cenário que se agravou com a relegação para a II divisão B e que esgotou a tolerância dos jogadores.

O boicote desta quinta-feira não é o primeiro na história da competição, mas tem uma base completamente distinta da que levou o Barcelona a recursar-se a disputar a meia-final de 2000, frente ao Atlético Madrid. Então, os catalães contestavam os regulamentos, que não lhes permitiram apresentar mais do que 10 jogadores em campo, devido a uma conjugação desfavorável de factores (12 atletas a representarem as selecções nacionais e a impossibilidade de recrutarem mais do que três elementos da formação). E de nada lhes valeu solicitarem à federação espanhola o adiamento da partida.

Adiar a resolução dos problemas, de resto, é algo que a direcção do Racing tem feito nos últimos anos. Mas tudo indica que em breve surgirão mudanças de fundo. É que, para além de uma reunião de accionistas do clube prevista para sexta-feira, o administrador judicial da empresa de Ali Syed que detém a maioria do capital chegou nesta quinta-feira à cidade. “Há muito para fazer”, limitou-se a dizer Onur Arslan.
 
 
 
 
 

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