Pelo fim das praxes

Quem praxa com violência não tem lugar na universidade, pública ou privada.

Uma coisa já se percebeu: serão os estudantes o principal obstáculo a uma mudança de fundo nas praxes.

Ao longo dos séculos, foram eles que repetidamente as fizeram renascer das cinzas. Foi assim a seguir à República, quando o ensino superior estava reservado às elites, e foi assim nos anos 1990, quando nasceram universidades privadas por todo o país e a academia se democratizou.

Mas os estudantes não estão sozinhos. Fortificando a sua posição a favor das praxes, está o silêncio ou a anuência do ministro, dos reitores, dos conselhos gerais, dos conselhos de veteranos, das associações e das federações académicas.

No vaivém de comentários que distraem o país, abafam o debate sobre os cortes nas universidades e abordam o que importa discutir sobre as praxes, duas fantasias são diariamente repetidas.

Uma é que não se pode acabar com as praxes porque são uma “tradição com séculos”. Outra é que o que aconteceu no Meco não foi uma praxe, "praxe não é aquilo, nem nunca o foi", como disse ontem o secretário de Estado Emídio Guerreiro, ele próprio ex-presidente da Associação Académica de Coimbra.

De facto, há séculos que existem praxes, em Portugal como em Inglaterra ou em França. Mas cá eram vistas como uma “coisa de Coimbra”, não “uma coisa portuguesa”, e até “um pouco antiquada e parola” (para citar José Pacheco Pereira) que só os “tolos” gostavam de fazer (para citar uma participante do fórum da TSF de ontem).

Depois de terem ficado coladas à obediência ao Estado Novo, desapareceram até serem redescobertas pelas novas universidades privadas e politécnicos há 15-20 anos. Ou seja, se pensamos em “cultura portuguesa”, é mais forte a tradição antipraxe do que as praxes propriamente ditas.

Começou pelo menos em 1727, quando D. João V determinou que “a qualquer estudante que ofender outro com o pretexto de novato, ainda que levemente, lhe sejam riscados os cursos”. Por essa altura, já Harvard tinha expulso, 50 anos antes, um estudante por causa de uma praxe.

Do mesmo modo, também é uma fantasia a ideia de que as praxes não são violentas. Não são todas, mas muitas são e sempre foram. Há episódios de incidentes graves e mortes ao longo dos séculos e por toda a Europa. Porque pretendem apenas humilhar e demonstrar poder, porque não servem em nada a integração dos caloiros e porque terminam muitas vezes em tragédia, as praxes têm de ser punidas de forma rápida e dura pelas próprias universidades – sejam praxes praticadas dentro ou fora do seu perímetro físico.

Quem praxa com violência não tem lugar na universidade, pública ou privada. A lei já existe e proíbe “a prática de actos de violência ou coacção física ou psicológica sobre outros estudantes” durante as praxes. Não são precisos tribunais. Basta que as universidades a apliquem. Sem medo de perderem a simpatia de alguns alunos, ou mesmo alunos e propinas. É o mínimo que um Portugal moderno e civilizado deve aos familiares dos jovens que perderam a vida no Meco.
 
 

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