Obama quer contornar obstáculos no Congresso com "a caneta e o telefone"

Semanas que antecederam o discurso do estado da União levaram à definição de uma nova estratégia: o Presidente dos EUA vai recorrer às ordens executivas para contornar obstáculos na Câmara dos Representantes e no Senado.

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O discurso do estado da União está marcado para as 21h (2h de quarta-feira em Portugal continental) Brendan SMIALOWSKI/AFP

Quando Barack Obama lançou um apelo emotivo ao reforço do controlo de armas de fogo nos EUA, no seu discurso do estado da União de 2013, muitos acreditaram que chegara o momento de o país deixar para trás as suas divergências e aprovar leis mais restritivas. O massacre na escola de Newtown estava ainda bem presente na memória de todos, e foi em nome dos familiares das crianças que morreram baleadas pelo atirador Adam Lanza que o Presidente norte-americano pediu ao Congresso, por entre as palmas de democratas e republicanos, que se unisse para mudar a lei.

Dois meses depois, Obama surgia à porta da Casa Branca, ao lado dos mesmos familiares que convidara para assistirem ao discurso no Congresso, a denunciar aquilo que descreveu como “um dia de vergonha para Washington”: a lei tinha sido travada no Senado, com os votos contra do Partido Republicano e de quatro senadores do Partido Democrata.

O chumbo da lei de controlo de armas acabou por marcar o início de um ano repleto de divergências no Congresso, que culminou com a paralisação do Governo, em Outubro. Ainda que Barack Obama tenha saído vencedor deste braço-de-ferro, que ameaçou arrastar o país para o incumprimento da dívida, pela primeira vez na sua história, os principais conselheiros da Casa Branca fizeram soar o alarme e definiram uma nova estratégia para 2014, que os media norte-americanos esperam vislumbrar no discurso do estado da Nação que vai ser proferido às 21h desta terça-feira (2h de quarta-feira em Portugal continental).

Com o início da contagem decrescente para o adeus à Casa Branca, Barack Obama e as suas tropas chegaram à conclusão de que é fundamental cortar com a dependência de uma Câmara dos Representantes dominada pelos republicanos para fazerem um último esforço no sentido de tornarem reais as várias promessas que ainda estão por cumprir, como a reforma da lei da imigração, o aumento do salário mínimo, o alargamento do ensino universal pré-escolar a crianças de quatro anos de idade ou importantes medidas de combate às alterações climáticas.

“O nosso problema é que o teste para avaliar o nosso sucesso passou a ser aquilo que conseguíamos fazer aprovar no Congresso, mas mesmo no melhor cenário – se a temperatura tivesse descido e se as nuvens se tivessem desvanecido – não teríamos alcançado mais do que 40% do que pretendíamos”, disse ao The Washington Post um alto funcionário da Administração Obama, citado sob a condição de anonimato.

Entra em cena o novo mantra da Administração Obama, que saiu da ala oeste da Casa Branca directamente para o discurso do Presidente e para os media norte-americanos: chegou a hora de usar “a caneta e o telefone” ou, por outras palavras, confiar mais nas ordens executivas e nas campanhas de sensibilização junto dos vários sectores da sociedade do que num bipartidarismo que já deu mostras de ser difícil de alcançar.

“As discussões políticas, os media e os políticos querem colar o Presidente ao papel de um primeiro-ministro. Por isso, em tempos como este, temos de mudar as agulhas decididamente para os poderes executivos”, disse o mesmo responsável da Casa Branca.

Mas não há muito que um presidente possa mudar nos fundamentos da política norte-americana através de uma ordem executiva; a ideia é enviar sinais ao Congresso de que algo pode ser feito – e que vai ser feito – sem a sua bênção.

Exemplo disso foi a assinatura de uma ordem executiva, anunciada esta terça-feira, para o aumento do salário mínimo dos trabalhadores de empresas com contratos com o Governo federal. O desafio do aumento do salário mínimo em todo o país, lançado por Barack Obama ao Congresso no discurso do estado da União em 2013, ficou adormecido durante o último ano, mas a decisão anunciada agora “sublinha a vontade crescente do Presidente de contornar o Congresso, se os legisladores continuarem a resistir à sua agenda”, escrevia ontem o The New York Times, com base em informações recolhidas junto de conselheiros de Obama.

Na prática, a ordem executiva do Presidente abrange uma pequena percentagem da pequena percentagem de trabalhadores de empresas com contratos com o Governo federal que recebem o salário mínimo (algumas centenas de milhares num universo de dois milhões, segundo o The Washington Post), já que a medida só será aplicada a partir de 2015 e apenas vai abranger os contratos celebrados a partir dessa data; se o Congresso aprovasse a proposta que tem em mãos, estima-se que 21 milhões de pessoas teriam o seu vencimento aumentado de 7,25 para 10,10 dólares por hora.

Mas ficou o aviso, antecipado na segunda-feira pelo assessor de imprensa da Casa Branca, Jay Carney: “Podem ter a certeza de que o Presidente vai usar a sua autoridade executiva para aproveitar os poderes do governo, no sentido de fazermos progressos em termos de oportunidades económicas, nas áreas que ele acredita serem muito importantes para melhorar o crescimento económico e a criação de empregos."
 
 
 

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