Familiares de vítimas da ETA pedem justiça para as vítimas do franquismo

"A dor é a mesma", garantem, pedindo ao Governo espanhol que reponha ajudas para encontrar desaparecidos e se empenhe na procura de justiça.

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“A dor é a mesma”, dizem as vítimas da ETA DOMINIQUE FAGET/AFP

“Não há vítimas de primeira nem de segunda” na violenta história recente de Espanha. Foi em reacção a este apelo do juiz Baltasar Garzón que familiares de pessoas assassinadas pela ETA pedem ao Governo espanhol que dê tratamento igual às famílias dos que foram mortos pelo franquismo e os ajude a encontrar os corpos de milhares que continuam sepultados em valas comuns.

Não é ainda o fim de um tabu – a Associação de Vítimas do Terrorismo, que reúne o maior número de famílias atingidas pela violência da organização basca, recusou pronunciar-se sobre o apelo. Mas as declarações de várias famílias ouvidas pelo jornal espanhol El País desfazem um pouco o muro de silêncio com que se debatem há anos as famílias dos desaparecidos na guerra civil. Desde o regresso do Partido Popular ao Governo, , em 2011, os apoios previstos pela Lei da Memória Histórica para a exumação dos corpos enterrados nas cerca de duas mil valas comuns espalhadas pelo país foram cortados e todas as tentativas para investigar pelos crimes cometidos pela ditadura esbarram na amnistia aprovada em 1977.

Um abandono que contrasta com os apoios dados às famílias das vítimas da organização terrorista basca que, como recorda o jornal espanhol, podem exigir justiça nos tribunais, têm ao seu dispor uma direcção especial no Ministério do Interior, gabinetes para os atender, apoio psicológico e direito a homenagens.

“Todos deveriam ter os mesmos direitos: verdade, justiça e reparação, tal como nós temos”, respondeu Mari Carmen Hernández, viúva de um vereador do PP de Durango, no País Basco, morto pela ETA em 2000. Hernández diz que tanto os que foram fuzilados pelas forças franquistas como as vítimas do terrorismo basco “defendiam a liberdade e foram mortos pelas suas ideias” e pede ao Governo que reconheça essa igualdade.

Ao mesmo jornal o presidente da Associação Andaluza de Vítimas do terrorismo disse também concordar que “todas as vítimas, seja da violência de género, do franquismo ou do terrorismo devem ser apoiadas e protegidas da mesma forma”. “A dor é a mesma”, garantiu Joaquín Vidal. Foi esse o apelo deixado pelo antigo juiz da Audiência Nacional espanhola numa concentração domingo passado em Madrid promovida pela Plataforma para a Comissão de Verdade, que reúne dezenas de associações de familiares das vítimas do franquismo. Garzón, que na instância penal máxima de Espanha liderou investigações contra a ETA e tentou investigar os crimes da ditadura, pediu às famílias e aos sobreviventes dos ataques terroristas que saíssem em defesa das vítimas esquecidas, “dos que estão há 76 anos há espera de justiça”.

Robert Manrique, sobrevivente do atentado que em 1987 matou 21 pessoas num centro comercial em Barcelona, foi um dos que aceitaram o desafio e diz mesmo que as famílias dos que foram fuzilados pelas forças franquistas “têm um sofrimento adicional” – “sofrem por abandono e por não terem podido enterrar os seus mortos”. Serão cerca de 150 mil os desaparecidos que continuam por sepultar.

O apelo de Garzón coincidiu com a visita a Espanha do relator especial da ONU para a promoção da verdade, justiça e reparação. A missão de Pablo de Greiff é a de averiguar que passos foram dados pelo Governo desde que, em Outubro, o grupo de peritos das Nações Unidas para os desaparecimentos forçados sublinhou que é obrigação do Estado espanhol investigar o que aconteceu às vítimas do franquismo, anular a lei da amnistia e julgar os autores dos crimes. Descobrir o paradeiro dos desaparecidos “não pode ser uma tarefa dos familiares, mas uma obrigação do Estado”, afirmaram os peritos que este ano vão apresentar um relatório ao Conselho de Direitos Humanos da ONU.
 
 

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