Inverno científico

Na primeira década do século XXI a conjunção de políticas públicas determinadas com o esforço das empresas permitiu que Portugal tenha dado um significativo salto qualitativo nos seus indicadores de inovação e ciência.

Nestes dois domínios deixámos os últimos lugares do pelotão europeu para nos posicionarmos acima da média no quadro da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico) quer em termos de investimento quer em termos de resultados. Portugal tornou-se o País do Sul da Europa com melhores indicadores em ciência, tecnologia e inovação.

O capital humano altamente qualificado de que dispomos constitui o mais forte antídoto estrutural contra a crise. É com esse capital humano qualificado que podemos contar para voltar a crescer e a gerar emprego nos setores de ponta e nos setores tradicionais, para equilibrar as contas públicas, para restabelecer a saúde da economia e para assegurar a sustentabilidade do modelo social.

Não foi essa a escolha do Governo. Por decisão de Passos Coelho e Nuno Crato, o Governo de Portugal, ao mesmo tempo que se congratula com os sucessos científicos e empresariais fruto do investimento feito no passado, tem permitido que aconteçam com grande frequência, arrasa orçamentalmente a ciência e a inovação, “convidando” os jovens investigadores e as empresas inovadoras a migrarem do nosso território e a criarem valor fora de Portugal.

Uma base científica e tecnológica nacional leva décadas a construir mas pode ser rapidamente destruída por uma obsessão ideológica distorcida. É este o risco que corremos, não por devaneio ou incompetência, mas por escolha ideológica trágica e deliberada.

O modelo de ajustamento económico que o Governo privilegia não aposta no conhecimento e no valor acrescentado. Pelo contrário, aposta no empobrecimento, no posicionamento da economia portuguesa como replicadora e fornecedora de componentes e não como uma economia inovadora e posicionada na fronteira tecnológica nalguns setores.

O Governo escolheu travar a batalha titânica da concorrência nos mercados globais usando o chamariz da mão-de-obra barata em vez de valorizar as competências que temos e nas quais investimos ao longo de anos significativos recursos públicos e privados.

Os bons resultados que conseguimos no plano científico são fruto de investimentos estratégicos continuados. O desinvestimento que este Governo está a fazer no ensino superior e no sistema tecnológico e científico tem um efeito imediato na vida de muitos jovens qualificados que se veem forçados a deixar o seu País, mas demorará alguns anos a matar a dinâmica científica que conseguimos gerar.

Nessa altura viveremos um intenso “Inverno científico”. Passos e Crato estejam onde estiverem serão responsabilizados por isto, mas o preço seremos todos nós a pagá-lo. E não será pouco.

Professor universitário. Deputado e coordenador do LIPP (Laboratório de Ideias e Propostas para Portugal)
 
 
 

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