Crato diz na AR que a aposta do Governo é na ciência de “grande qualidade”

Ministro da Ciência foi ao Parlamento esta sexta-feira defender que o Governo travou desinvestimento na ciência e remete explicações sobre irregularidades de concursos de bolsas da FCT para o presidente da fundação que atribui essas bolsas.

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O ministro Nuno Crato com a secretária de Estado da Ciência, Leonor Parreira, no Parlamento Daniel Rocha

O ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, disse nesta sexta-feira na Assembleia da República (AR), em Lisboa, que a política do Governo para a ciência tem como objectivo apostar na ciência de grande qualidade. O governante foi chamado ao Parlamento pelo Partido Socialista, que invocou o direito potestativo, e foi repetidamente questionado sobre a diminuição de bolsas individuais de doutoramento e pós-doutoramento atribuídas pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Mas escusou-se a responder qual será o destino de 5000 investigadores que não conseguiram aquelas bolsas no concurso de 2013, cujos resultados foram divulgados na semana passada.

Nuno Crato sublinhou que a aposta da política de ciência é na “grande qualidade”, mas que também dependia do “esforço dos cientistas, com a elevada qualidade do seu trabalho, conseguiram ir buscar fundos europeus”. E remeteu a explicação sobre possíveis irregularidades do processo de avaliação deste concurso para Miguel Seabra, presidente da FCT, instituição que o ministro tutela, que falará esta sexta-feira às 15h30 na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, depois de ter sido chamado pelo Bloco de Esquerda (BE). Miguel Seabra estará na comissão à tarde “para responder a todos esses problemas” e que ele próprio irá à próxima comissão que for chamado. “É muito difícil falar quando não nos querem ouvir”, queixou-se o ministro.

A sessão arrancou por volta das 9h40 com um discurso de Elza Pais, deputada do PS, que criticou o paradigma do Governo, argumentando que está a reduzir as bolsas e a expulsar do país os mais qualificados. “O novo paradigma de que falam não serve a ciência, faz parte de um programa de destruição de tudo o que é público e agora chega à ciência”, disse a deputada, acrescentando: “Os cientistas pedem de modo veemente que parem e invertam as medidas. Parem de destruir o que está a acontecer no nosso país, parem de destruir a ciência, parem de destruir Portugal.”

Em resposta, Nilza de Sena, do PSD, referiu que o PS veio, mais uma vez, mostrar um “cenário alarmista”, que não representa o que se passa em Portugal. “Este Governo mantém o financiamento do sistema”, disse a deputada, argumentando que o governo de José Sócrates diminuiu “em 25%” o financiamento anual da FCT entre 2009 e 2011.

“Apoiar mais bolsas significa não apoiar laboratórios associados, laboratórios do Estado e unidades de investigação”, argumentou a deputada social-democrata. “A ciência tem de ser vista de forma integrada”, referiu, explicando a necessidade de seguir as metas europeias para o Horizonte 2020, o próximo programa de financiamento da ciência na União Europeia, de 2014 a 2020. “É preciso qualidade e exigência e é isso que estamos a fazer.”

O deputado do BE, Luís Fazenda, questionou directamente Nuno Crato acerca dos mais de 5000 investigadores que ficaram sem bolsas no último concurso de bolsas individuais da FCT. “O que vão fazer a milhares de bolseiros? Qual é a alternativa?”, perguntou, respondendo logo de seguida: “A alternativa é o abandono.”

Luís Fazenda questionou ainda o ministro sobre a polémica que se instalou nesta semana acerca do processo de avaliação destes concursos que já levou a coordenadora do painel de peritos em sociologia a pedir a sua demissão à FCT e que “levantam a suspeita da manipulação de resultados”. E também pediu contas sobre a desconfiança de que as ciências sociais estão a ser encaradas como uma área menor do conhecimento: “Houve ou não discriminação das ciências sociais?”

Já o PCP acusa o Governo de pôr a ciência “ao serviço dos grandes grupos económicos”, disse a deputada comunista Paula Baptista, criticando a forma como se tratam os investigadores. “Estes trabalhadores são os mais qualificados do país, não têm direito ao apoio social, dão aulas de graça”, denunciou, declarando que é o Governo que os “empurra para o desemprego e para a emigração”.

Michael Seufert, do CDS-PP, atacou por seu lado o anterior governo de José Sócrates. “Não vale a pena passar a ideia de que até 2011 tudo era uma maravilha”, referindo que foi aquele governo que tirou dinheiro das universidades para pagar a biblioteca virtual de artigos científicos B-on (que cientistas e universitários podem aceder), e que cortou no financiamento das “unidades de investigação e laboratórios associados”. Seufert disse ainda que, embora haja indicadores positivos ao nível do número de investigadores portugueses, os “indicadores de excelência” estão abaixo da média europeia, argumentando que é necessário dar envolvência aos cientistas, garantindo o funcionamento dos laboratórios e a existência de projectos de investigação.

Mas Heloísa Apolónia, deputada de Os Verdes, contestou esta aposta do Governo nos laboratórios em detrimento dos investigadores, “quando se reduz o financiamento dos laboratórios do Estado”, disse. E Pedro Delgado Alves, deputado do PS, referiu o descontentamento da comunidade científica, que na terça-feira se manifestou em Lisboa contra os cortes nas bolsas. “O que a comunidade científica nos diz é que estas alterações estão a pôr em causa o sistema científico nacional”, aludiu Pedro Delgado Alves e rematou “se [o Governo] não tem uma visão para a ciência, o Partido Socialista tem”.


Um “artista dos números”, diz o PCP

O ministro da Ciência respondeu às declarações dos deputados dizendo que havia um mito: “Há um mito que é preciso refutar: o Governo não desinvestiu na ciência e continua a apostar na formação avançada.”

Nuno Crato continuou a argumentação sobre o investimento em ciência referida já no passado por Leonor Parreira, secretária de Estado da Ciência, que se sentou ao lado do ministro no Parlamento, mas manteve-se calada durante toda a sessão, e Miguel Seabra.

“Reparem a queda iniciada em 2009 [referindo-se ao financiamento orçamentado para a FCT]. E reparem como nós, a partir de 2011, sustivemos a queda e conseguimos que mais dinheiro fosse investido”, disse Nuno Crato. “Não confundamos um concurso de bolsas individuais, com o total de bolsas em execução.”

Depois, Crato referiu que foi aumentado o financiamento em projectos científicos, e que 25% do orçamento vai para as unidades de investigação, onde estão 15 mil investigadores. “Não há abandono da formação avançada”, disse. “Temos um programa de retenção dos melhores dos nossos cientistas e dos melhores investigadores internacionais”, referindo-se ao concurso internacional Investigador FCT, que vai ser impugnado judicialmente por uma plataforma de cientistas criada recentemente. Crato lembrou ainda que em 2012 abriu um grande concurso de projectos científicos, onde entraram bolseiros equivalentes a “1500 bolsas de doutoramento”.

A deputada do PCP, Rita Rato, referiu-se ao ministro como um “artista nos números”. E, respondendo a Crato, disse que entre 2011 e 2014 houve “um corte na ciência de 82 milhões de euros, [equivalente a] 17%” e acusou o ministro: “É responsável pelo desemprego de 5000 investigadores, assuma isso aqui que é a sua responsabilidade.”

Já Luís Fazenda voltou a perguntar sobre a discriminação das ciências sociais e qual a razão para as bolsas individuais terem sido “ostracizadas” no último concurso? Crato rejeitou haver uma discriminação nas ciências sociais, já que foram atribuídas nesta área “cerca de 30% das bolsas avançadas”.

Odete João, deputada do PS, considerou o Programa do Governo para ciência como uma “errata”, que “não cumpre nada daquilo que definiu” e “gera instabilidade, insegurança, não dá às instituições os recursos necessários para desenvolver o seu trabalho”, deixando o futuro do país “cada vez mais empobrecido”. E Luís Fazenda repetiu que não houve nenhuma resposta sobre a emigração científica nem as irregularidades do concurso das bolsas. “É a comunidade científica que contesta”, argumentou o bloquista, acrescentando que haverá um pedido potestativo do BE para que Nuno Crato vá à Comissão de Educação, Ciência e Cultura.

“Estamos a manter Portugal nas grandes organizações europeias, com dívidas que vieram do passado e que têm custos para a FCT”, disse ainda Nuno Crato, justificando parte do destino do financiamento da fundação, e referindo ainda que a queda do Produto Interno Bruto em investigação e desenvolvimento (de 1,64% em 2009 para 1,5% em 2012) reflecte uma “queda do investimento das empresas”.

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