Deixar Portugal é difícil. E deixar uma segunda casa? É mais fácil?

Às vezes gostava de sentir uma vontade de sedentarismo, mas ainda estou à espera que tal chegue, com o tempo. Esta ânsia de partir e de conhecer deixa-me por vezes insegura, mas passa rápido

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Marcelo del Pozo/Reuters

Mudei-me para a Escócia aos 18 anos. O país que me deu (e tirou) tudo deixa-me agora sem destino, mais uma vez. Estudei em duas universidades, conheci o Michael, fui ao fundo da palavra saudade e estou aqui.

Quando vim estudar para Glasgow tinha em mim uma necessidade, ou vaidade, típica do português de há 500 anos: a descoberta. Não demorei mais que 24 horas até ver um homem de ‘saias’ e perceber que aquela não iria ser a última vez.

Talvez por preguiça, talvez por medo, nunca pesquisei sequer uma curiosidade acerca desta cidade. Queria que a sorte, ou o azar, me levassem. E assim o fizeram, de mãos dadas. Aqui conheci um povo que me recebeu de braços abertos sem perguntar porquê.

Fiz amigos, perdi amigos e fiz outros. Vivi amores e desamores e tal como o outro, também estive presa por vontade. Aqui aprendi a ser exageradamente educada e a ouvir ‘obrigado, tenha um óptimo dia’ de um mendigo a quem me recusei dar troco.

Aprendi a estar perto estando longe e a esperar ansiosamente por aquela hora em que os meus pais, autodidactas que se renderam às tecnologias (mais por obrigação do que por lazer), me vão bombardear de perguntas.

Glasgow deu-me uma licenciatura, eu retribuí com um mestrado. Glasgow deu-me o Michael, o meu melhor amigo, polaco, com quem tenho uma relação de simbiose inexplicável. Será porque partilhamos do mesmo nome? Não sei.

Eu e o Michael já viajámos pelo mundo. Fomos à Irlanda por dois cêntimos quando ainda éramos nós a abusar das companhias ‘low cost’, bebemos cerveja de coco com formigas na Índia, conhecemos ambas as famílias debaixo da neve gélida em Auschwitz ou do calor característico português no coração do Douro Vinhateiro.

Glasgow, e o Michael, viram-me crescer. Fizeram-me chorar. Fizeram-me rir até chorar e agora vê-me a partir, mais uma vez, sem pesquisar o próximo passo na Wikipedia (o que deixa o meticuloso do Michael profundamente perturbado).

Às vezes gostava de sentir uma vontade de sedentarismo, mas ainda estou à espera que tal chegue, com o tempo. Esta ânsia de partir e de conhecer deixa-me por vezes insegura, mas passa rápido.

Como dizia um outro, também muito conhecido por sinal, é a hora! E chegou mesmo a hora de dizer ao Michael e a Glasgow, sem ser obrigatoriamente por esta ordem, que quero deixar a minha segunda casa.

Porque viajar é um vício. E quem muito estudou sobre drogas sabe bem que a iniciativa de reabilitação deve vir de cada ume leva o seu tempo. Mas eu não estou pronta. Porque o sonho é a pior das cocaínas e eu sonho até acordada.

O Michael vai-me perguntar qual é o meu próximo passo, Glasgow não vai. Mas seja qual for o desfecho desta aventura incógnita que me espera, levo os dois sempre comigo: a cidade e o amigo.

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