Conferência sobre a Síria à beira do fracasso após convite feito ao Irão

Para participar na conferência Genebra II, Teerão deve declarar explicitamente o seu apoio a uma transição política, afirma Washington. Oposição dá ultimato à ONU para retirar convite aos iranianos.

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Ban acredita “que o Irão deve fazer parte da solução da crise síria” Emmanuel Dunand/AFP

O Irão foi convidado pelo secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, a participar na conferência de paz sobre a Síria, que tem início marcado para esta quarta-feira, em Genebra. A oposição síria anunciou que assim se retira do processo negocial. Os Estados Unidos e os países ocidentais só aceitam a presença iraniana com condições que o governo de Teerão rejeita.

O anúncio do convite ao Irão foi feito no domingo à noite pelo secretário-geral da ONU, segundo o qual o governo de Teerão se compromete a desempenhar “um papel positivo e construtivo” para acabar com o conflito que já fez 130.000 mortos em menos de três anos.

O convite de Ban foi feito após intensas discussões com o chefe da diplomacia iraniana, Mohammad Javad Zarif, que aceitou deslocar-se a Genebra.

“O ministro Zarif e eu próprio concordamos que o objectivo das negociações é estabelecer, por mútuo consentimento, um governo de transição que disponha da plenitude do poder executivo”, disse Ban. “É nesta base que o Sr. Zarif se compromete a que o Irão desempenhe um papel positivo e construtivo.”

Mas a Coligação Nacional Síria (CNS), o maior grupo da oposição no exílio, que no sábado decidira enviar uma delegação à Suíça, não quer a presença do Irão, que apoia o regime de Bashar al-Assad. “A coligação síria anuncia que retirará a sua participação de Genebra II até que Ban Ki-moon retire o seu convite ao Irão” para participar nas discussões sobre o processo de transição política na Síria, escreveu o porta-voz da coligação, Louay Safi, na rede social twitter.

Outro dirigente da coligação, Anas al-Abdah, manifestou-se “surpreso” pelo convite. “É ilógico e não podemos de forma nenhuma aceitá-lo”, disse à televisão Al-Jazira. "Damos um ultimato até às 19h para o convite ser retirado", disse mais tarde o mesmo Abdah à Reuters. Lendo um comunicado oficial, Abdah repetiu que a CNS só aceitará a participação do Irão se o Governo do país "declarar publicamente que retira as suas forças [que apoiam Assad na Síria], se comprometem com completamente com o acordo de Genebra I e se comprometerem a implementar todos os resultados de Genebra II".

Os Estados Unidos colocam reservas à presença iraniana, mas admitiram aceitar a presença do Irão, se este país declarar explicitamente o seu apoio a uma transição política que, para o governo de Washington, implica a saída de Assad do poder. "Isso é uma coisa que o Irão nunca fez publicamente, é uma coisa que há muito deixámos claro ser necessária”, disse a porta-voz do Departamento de Estado Jen Psaki.

“Se o Irão não aceitar plena e publicamente o comunicado de Genebra, o convite deve ser retirado", afirmou Psaki. Entretanto, um alto responsável do membro Departamento de Estado disse à AFP que os EUA estão à espera que "o convite seja retirado".

A França e o Reino Unido pronunciaram-se no mesmo sentido. O governo de Paris entende que o Irão não deverá estar presente se não aceitar a criação de um governo de transição com poderes executivos. "A participação em Genebra II é a aceitação explícita desse mandato", disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, Laurent Fabius. "Nessas condições, e no interesse da paz, é claro que nenhum país deve participar na conferência se não aceitar esse mandato."

O Ministério britânico dos Negócios Estrageiros afirma que o Irão deve aceitar a criação de um governo de transição antes de participar nas negociações. "O convite do secretário-geral estipula explicitamente que não se pode ir a Genebra II sem subscrever totalmente o comunicado de Genebra de Junho de 2012", declarou um porta-voz  à agência AFP.

O Irão confirmou na manhã desta segunda-feira a sua participação nas conversações mas rejeitou pré-condições. "Com  base do convite oficial [do secretário-geral], o Irão participará nessa conferência sem condições prévias", declarou o porta-voz da diplomacia do governo de Teerão, Marzieh Afkham, citado pela agência oficial Irna. "Sempre rejeitámos pré-condições para participar na [conferência] Genebra II sobre a Síria", recordou.

Os Estados Unidos e as potências ocidentais opuseram-se à participação do Irão se não aceitasse um comunicado aprovado em Genebra a 30 de Junho de 2012, no qual se apelava à instauração de um governo de transição na Síria. A conferência de Genebra II é uma iniciativa dos Estados Unidos e da Rússia para tentar encontrar uma solução para o conflito.

"Erro imperdoável"

Ao contrário dos países ocidentais, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguei Lavrov, disse que a ausência do Irão seria um "erro imperdoável" e qualificou a posição da oposição síria de "capricho". "Não assegurar a presença de todos os que possam influenciar directamente a situação seria, penso, um erro imperdoável."

"Não nos opusemos a que a Coligação Nacional participe em Genebra II. Saudámos a sua decisão de enviar uma delegação à conferência", afirmou o ministro russo. "Se alguém põe em dúvida a necessidade de convidar todos os actores importantes para a conferência de Genebra II, é poque não deseja a resolução justa e negociada da crise síria."

A presença do Irão significaria que todos os países que têm uma relação directa com o conflito sírio poderão estar representados na abertura da conferência prevista para Montreux, na quarta-feira. As conversações entre o governo de Bashar al-Assad e a oposição têm início marcado para sexta-feira, em Genebra.

Ban Ki-moon disse acreditar “firmemente que o Irão deve fazer parte da solução da crise síria”.
 
 
 

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