O “melhor jogo de sempre” aconteceu em Los Angeles

Em 1967, uma das ligas de futebol nos EUA era composta por equipas inteiras importadas da Europa e da América do Sul.

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Os Los Angeles Wolves foram campeões norte-americanos em 1967 DR

O vídeo está no Youtube e começa com estas palavras de Chick Heard. “A história do desporto está cheia de momentos dramáticos. O futebol profissional é uma coisa recente na América do Norte e os seu momentos de glória são limitados […]. Este jogo foi considerado por muitos observadores como o melhor de sempre.” Alguma final de um campeonato do mundo? Não. Alguma final da Taça dos Campeões Europeus? Também não. Foi a final da United Soccer Association de 1967 entre os Los Angeles Wolves e os Washington Whips. Quem? São mais conhecidos pelos seus nomes europeus, Wolverhampton Wanderers e Aberdeen.

Sim, uma equipa inglesa e uma escocesa estiveram em Los Angeles a disputar o título de campeão norte-americano de soccer. Quase uma década antes da moda de se contratar “estrelas” como Pelé, Beckenbauer ou Eusébio, o soccer norte-americano contratou equipas inteiras da Europa e da América do Sul para formarem um campeonato e relançarem (mais uma vez) a modalidade mais popular do mundo num país em que as prioridades desportivas são outras. O Wolves e o Aberdeen eram duas de 12 equipas contratadas e nenhuma se pode dizer que fosse um gigante do futebol mundial.

Em 1967, havia duas ligas profissionais de futebol nos EUA, a National Professional Soccer League (NPSL) e a United Soccer Association (USA). A NPSL começou primeiro, em Abril, e tinha um contrato televisivo com a CBS, mas era a segunda que tinha o reconhecimento da FIFA. Os seus organizadores, entre eles Jack Cooke, que chegou a ser dono dos Lakers, queriam formar uma liga com as melhores equipas do mundo, aproveitandos as pausas de Verão nos campeonatos, e foi isso que disseram aos adeptos, mas a realidade era bem diferente. Na verdade, apenas uma das 12 equipas recrutadas tinha sido campeã do seu país nesse ano, o Glentoran, campeão da Irlanda do Norte.

Estas equipas foram distribuídas por várias cidades norte-americanas, seguindo um critério de afinidade étnica dos países de origem com as comunidades de imigrantes nessas cidades. Assim, por exemplo, o Shamrock Rovers, da República da Irlanda, foi para Boston, a “pátria” irlandesa fora da Irlanda. Já a razão para o Club Atlético Cerro, do Uruguai, ir para Nova Iorque, seria a de que os novaiorquinos estariam dispostos a apoiar qualquer equipa – o Cerro, que tinha sido terceiro no campeonato uruguaio, passariam a ser os Skyliners.

Vale a pena deixar a lista dos clubes convidados e dos nomes com que foram rebaptizados: Shamrock Rovers, Irlanda (Boston Rovers). Cagliari, Itália (Chicago Mustangs); Stoke City, Inglaterra (Cleveland Stokers); Dundee United, Escócia (Dallas Tornado); Glentoran, Irlanda do Norte (Detroit Cougars); Bangu, Brasil (Houston Stars); Wolverhampton Wanderers, Inglaterra (Los Angeles Wolves); CA Cerro, Uruguai (New York Skyliners); Den Haag, Holanda (San Francisco Golden Gate Gales); Hibernian, Escócia (Toronto City); Sunderland, Inglaterra (Vancouver Royal Canadians); Aberdeen, Escócia (Washington Whips).

Foi uma época curta, com apenas 12 jogos para cada uma das equipas, que foram distribuídas por duas divisões de seis cada. Não havia grandes “estrelas”, mas olhando para os plantéis das equipas há alguns nomes familiares, como Gordon Banks, lendário guarda-redes britânico do Stoke City, ou Dick Advocaat, médio holandês do Den Haag, que chegou a ser seleccionador da Holanda. O melhor marcador seria o Roberto Bosinega, do Cagliari (Chicago Mustangs), com 11 golos em nove jogos. Mas esta liga internacional não foi um grande sucesso de público. Com a excepção do Bangu (Houston Stars), que teve uma assistência média de perto dos 20 mil espectadores nos seus jogos em casa, as bancadas vazias era uma regra nos jogos da USA.

O primeiro jogo aconteceu a 28 de Maio e a final entre a melhor de cada uma das duas “poules” aconteceu a 14 de Julho no Coliseu de Los Angeles. Os Whips (Aberdeen) iriam defrontar os Wolves (Wolverhampton, que, se tivessem seguido dos desejos iniciais do seu dono, teriam-se chamado Zorros). No final dos 90’, havia um empate (4-4) e teria de se jogar um prolongamento. Houve um golo para cada lado nos 30 minutos seguintes e novo empate ao fim de uma hora de jogo. Não haveria penáltis. Teria de se jogar até alguém marcar e foi o que aconteceu aos 122’, com um autogolo do escocês Shewan que deu o triunfo por 6-5 à “equipa da casa”, o Wolverhampton, que era uma das equipas com mais cartel desta liga, tendo sido um dos participantes, em 1888-89, na primeira edição do campeonato inglês e que, até 1967, já tinha sido três vezes campeão.

Esta liga internacional não sobreviveu e, no ano seguinte, as duas ligas juntaram para formar a North-American Soccer League. Não levaria muito mais tempo até chegar Pelé e outras grandes colecções de “estrelas” do futebol internacional, uma loucura americana que também foi de existência efémera. Mas essa é outra história.

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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