Uma dieta rica em ácido fólico poderá prevenir ou travar a doença de Parkinson

A vitamina dada às grávidas para evitar malformações fetais conseguiu, em experiências com moscas-do-vinagre feitas por uma equipa liderada por um cientista português, restaurar funções afectadas pela doença.

As moscas mutantes têm as asas para baixo (à direita); quando alimentadas com ácido fólico, os músculos recuperam eas asas viram-se para cima
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As moscas mutantes têm as asas para baixo (à direita); quando alimentadas com ácido fólico, os músculos recuperam e asas viram-se para cima Roberta Tufi/Samantha Loh
As mitocôndrias (m) dos músculos das asas das moscas mutantes explodem, mas com ácido fólico isso já não acontece
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As mitocôndrias (m) dos músculos das asas das moscas mutantes explodem, mas com ácido fólico isso já não acontece Roberta Tufi

Uma equipa de cientistas portugueses, italianos e britânicos descobriu um mecanismo celular inédito que, quando se encontra deficiente, provoca os problemas motores e a degeneração neuronal característicos da doença de Parkinson. E mostrou que, em moscas-do-vinagre mutantes com sintomas semelhantes aos do Parkinson, bem como em culturas de neurónios humanos afectados, um simples tratamento vitamínico consegue restaurar o normal funcionamento desse mecanismo celular e, ao que tudo indica, cancelar as manifestações da doença. Os seus resultados foram publicados online, neste domingo ao fim da tarde, na revista Nature Cell Biology.

A doença de Parkinson é a mais frequente doença neurodegenerativa do envelhecimento humano a seguir ao Alzheimer. Manifesta-se, entre outras coisas, através de sintomas motores, tais como rigidez e tremores – e ao nível do cérebro provoca a morte celular em massa numa estrutura chamada “substância negra”, cujos neurónios produzem dopamina, um dos principais mensageiros químicos que asseguram a comunicação nervosa. Actualmente, para colmatar esse défice, administra-se aos doentes com Parkinson, com maior ou menor sucesso, medicamentos capazes de fazer aumentar os seus níveis cerebrais de dopamina.

O inédito mecanismo agora descoberto pela equipa de Miguel Martins, da Unidade de Toxicologia do Conselho de Investigação Médica britânico em Leicester (Reino Unido), tem a ver com as mitocôndrias, pequenas estruturas que existem às centenas em cada célula e que transformam o oxigénio que respiramos na energia química que serve para alimentar a miríade de processos que pautam a vida celular. Ora, quando as mitocôndrias não funcionam – ou funcionam “a meio gás” –, não conseguem produzir suficiente energia.

As mitocôndrias têm a particularidade de possuir um pequeno anel de ADN próprio (o resto do ADN encontra-se dentro do núcleo da célula). Mas embora estas “baterias” celulares sejam assim, em certa medida, independentes do controlo genético “central” da célula, precisam de comunicar com o núcleo para a célula funcionar, explica Miguel Martins num texto a que o PÚBLICO teve acesso. E são precisamente determinados defeitos dessa comunicação intracelular que se pensa estarem ligados a doenças humanas como a Parkinson.

Por outro lado, sabe-se hoje que as mutações num gene humano chamado PINK1, que conduzem a um funcionamento deficiente das mitocôndrias, estão relacionadas com casos precoces da doença de Parkinson.

Miguel Martins e colegas estudaram esses defeitos de comunicação entre as mitocôndrias e o núcleo em moscas-do-vinagre com mutações no gene equivalente ao PINK1. Tal como os doentes com Parkinson, estes insectos apresentam sintomas motores – por exemplo, não conseguem voar – e perdem os seus neurónios produtores de dopamina.

O SOS das mitocôndrias
Os cientistas descobriram então que, nas moscas mutantes, as mitocôndrias deficientes enviam um “pedido de ajuda” ao núcleo da célula, instando-o a fabricar a maquinaria e a matéria-prima necessárias à produção do ADN mitocondrial, de forma a conseguir assim gerar novas mitocôndrias, capazes de colmatar o défice energético provocado pela mutação no dito gene. “O que descobrimos é bastante surpreendente”, diz Miguel Martins.

Porém, a ajuda do núcleo não chega e é aí que a segunda descoberta da equipa, “muito simples” mas “espantosa”, entra em cena. “Nós conseguimos detectar essas mensagens de SOS e ajudar as mitocôndrias, através de estímulos externos”, explica-nos o investigador num email.

Mais precisamente: manipulando um outro gene, chamado dNK, nas moscas mutantes, os cientistas conseguiram reforçar a produção de ADN mitocondrial – e daí, a geração de novas mitocôndrias. “Criámos super-moscas – mais rápidas, com mais energia e mais resistentes às substâncias que são tóxicas para as mitocôndrias”, diz ainda Miguel Martins.

E o mais "incrível" (palavra do investigador) é que também descobriram que nem sequer era preciso alterar o gene dNK para obter o efeito desejado: tudo o que precisavam de fazer era fornecer às células um composto químico bem conhecido: ácido fólico.

O ácido fólico, ou vitamina B9, é o mesmo composto que é administrado às grávidas para prevenir malformações no feto. “Nas moscas, tanto os músculos que controlam o movimento das asas como os neurónios dependem das mitocôndrias para produzir energia”, escreve-nos ainda Miguel Martins. “Nas moscas mutantes, as mitocôndrias explodem literalmente. Mas quando alimentamos as moscas com ácido fólico, as mitocôndrias recuperam completamente.” E claro, os insectos voltam a conseguir voar.

A equipa também cultivou, em presença de ácido fólico, neurónios humanos com uma actividade deficiente do gene PINK1 – e obteve resultados que apontam para o mesmo efeito reparador da vitamina. Nessas células, “as mitocôndrias já não estão doentes”, constata Miguel Martins.

Estes resultados sugerem que talvez seja possível, graças a dietas ricas em ácido fólico ou a suplementos alimentares como os que tomam as grávidas, proteger as mitocôndrias e portanto prevenir ou travar, não só a doença de Parkinson, mas também outras doenças humanas do envelhecimento associadas a problemas mitocondriais, concluem os cientistas.

Inês Pimenta de Castro, co-autora do estudo e actualmente a trabalhar no Instituto Gulbenkian de Ciência em Oeiras, está agora a testar as novas potencialidades do ácido fólico.

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