Dream Nyamirundi

Não resistimos e ali ficamos em brincadeiras sem barreiras, sem idade. Agora, somos todos crianças

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Rui Barbosa Batista
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Vamo-nos aproximando da margem e as crianças já correm para nos receber com entusiasmadas e sonoras palavras que não entendemos. O alarido vai alertando a aldeia e a nossa presença deixa de ser incógnita. Estamos em Nyamirundi, na margem do Lago Kivu, Ruanda.

Paramos para almocar. Bom, para tentar. Aqui não é fácil, provável ou exequível. A aridez da placa do "restaurante" Turebe indicia que não teremos sorte. É na verdade um quarto escuro com mesa corrida. Baixa. Imprópria. E sem sinal aparente de comida. Avançaremos para o alto da aldeia. E entramos no exclusivíssimo bar com o seu nome. Lugar surpreendentemente agradável. Limpo, bem tratado. Com sombra, árvores e jardim — e até um modesto palco, para espectáculos.

Teremos um fantástico pão, grandes cervejas e pequenos peixes fritos para almoço. Somos os únicos visitantes em muito tempo. Por isso tivemos direito a atendimento com honras de Estado.

Na cozinha cubículo acendem-se as brasas sem fósforo ou isqueiro. À moda de muitos séculos. Minutos a serem mimadas para crescer até entrar a panela, bem fornecida. "Joaquinzinhos" do lago a apurar. Pergunto se têm limão. Um dos cozinheiros sai a correr e regressa minutos depois no mesmo ritmo. Rego o peixe e convido o 'chef' a provar. "Huuummmmmm… Delícia", terá comentado. Os restantes presentes juntam-se mesmo antes de concluirmos o sincero convite. O limão é aprovado e os pratos ficam limpos em instantes. Convívio interessante nos limites possiveis das barreiras linguísticas. Gestos e sons ajudam à bem disposta comunicação.

Somos esperados fora do recinto. Uma dezena de crianças que, em segundos, se multiplica. Acompanham-nos entusiasmadas até ao improvisado e escorregadio "cais". Não resistimos e ali ficamos em brincadeiras sem barreiras, sem idade. Agora, somos todos crianças. Pedem-nos fotos. Deliram quando se revêem em imagem. Posam com orgulho. Quem antes chorou de inexplicável horror por ver estranhos de pele branca, já sorri e para a fofografia.

Um vigoroso aguaceiro junta-nos sob improvisado teto. Meia hora de violento dilúvio. A aldeia leva-nos de volta ao barco. As três canetas que antes distribuí souberam a pouco. Não sei se viverei algo igual na viagem. Distribuo mais de 30. A criancas, jovens e seus pais, que se atropelam por um "cadeau" valioso nesta parte do planeta. Estão todos na água e os braços acenam-nos vigorosos. Até desaparecermos no horizonte...

Não sabem, mas deram-nos muito mais do que aquilo que receberam... As seis horas de puro deleite a rasgar as serenas águas do Kivu prosseguem junto à margem do Ruanda — quando não acompanhamos a do Congo. Mais "sui generis": Montanhas agrestes e escarpadas, com agricultores em declives arrojados. Multiplicam-se os acenos. A luz do astro rei vai definhando e o lago ganhando surpreendente vida. E cor.

Fim de trabalho. Muitas canoas — das mais diversas formas e feitios — rompem as águas. O ambiente é idílico e lamento cada segundo que nos aproxima do fim da jornada. Ciangugu está à nossa esquerda. Uma ponte separa o Ruanda de Bukava, Congo. O Peace Guest House será dos locais mais memoráveis das nossas estadias.

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