A nova política de Hollande para uma “França forte”

Hollande chama-lhe “aceleração”. A imprensa diz que é uma profunda viragem da sua política económica. O Presidente quer baixar a despesa do Estado e reduzir impostos sobre as empresas. Em nome de uma “França forte”.

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Hollande recusou-se a falar do caso com a actriz Julie Gayet ALAIN JOCARD/AFP

François Hollande não frustrou as expectativas sobre uma viragem (alguns dizem que de 180 graus) na sua política de relançamento da economia francesa, cujo crescimento ainda não conseguiu vencer a estagnação. Apenas preferiu chamar-lhe “aceleração”. A mudança de discurso foi apresentada em forma resumida na mensagem de Ano Novo aos franceses. Desde então, a imprensa francesa e europeia dedicou um enorme espaço ao debate sobre a inspiração ideológica de François Hollande: socialista, social-democrata ou social-liberal.

Alguns analistas chamaram-lhe imediatamente “François Blair” ou, mais modestamente, “Schroeder francês”, numa referência aos dois primeiros-ministros britânico e alemão que levaram a cabo profundas reformas da economia e da Segurança Social no início do século.

A palavra “liberal” é sempre mal vista em França, de resto, tanto à esquerda como à direita. Como se não bastasse este debate, a sua ligação amorosa com uma actriz francesa, revelado por uma revista de escândalos, fazia prever um enquadramento “catastrófico” (disse o Monde) para a sua primeira conferência de imprensa de 2014 (e a terceira desde que iniciou o mandato) para apresentar as grandes linhas da sua política para o ano que começa agora.

A 31 de Dezembro o Presidente francês propôs aos empresários um “pacto de responsabilidade”, oferecendo-lhes a redução dos custos do trabalho e a simplificação drástica da burocracia a troco de um compromisso para criar emprego e manter o diálogo social. Nesta terça-feira, anunciou que essa redução da carga sobre o trabalho seria de 30 mil milhões de euros. Na mesma mensagem, o Presidente prometeu tomar medidas a sério para reduzir a despesa do Estado (57% do PIB e uma das mais altas do mundo), poupando, nomeadamente, na Segurança Social, como a única forma de poder baixar os impostos às empresas e aos cidadãos.

Também não escondeu que o principal problema da economia francesa é a sua constante perda de competitividade em face dos seus grandes parceiros europeus, em particular da Alemanha. Nesta terça-feira, Hollande concretizou as suas intenções quanto à redução do peso do Estado: além do corte de 15 mil milhões de euros previsto no Orçamento deste ano, quer chegar a 2017 com menos 50 mil milhões.

Quanto ao affair, que suscitou algumas perguntas directas e indirectas, o Presidente disse que “cada um na sua vida pessoal pode atravessar maus momentos". "É o nosso caso e são momentos muito dolorosos.” Mas são “privados”. Prometeu mais esclarecimentos até Fevereiro, provavelmente antes da sua deslocação aos EUA, mas já depois da visita prevista para a Turquia. 

Hollande sabe que os franceses respeitam esta distinção entre público e privado mesmo ao ocupante do Eliseu. Sabe também que o seu nível de aprovação não passa dos 25%, o mais baixo de um Presidente da V República, e que, portanto, já não tem grande coisa a perder se resolver arriscar no domínio da economia. “A França deve, imperativamente, reencontrar a sua força económica.”

Este “pacto de responsabilidade” com as empresas será “o maior compromisso social há décadas” e só ele poderá gerar emprego – a sua grande promessa ainda não cumprida. Passará pelos cortes da despesa pública e dos impostos (a começar pelas empresas), o que não deixa de ser irónico depois de ter passado um ano a aumentá-los.

Liberalismo, não
Percebeu que os custos de produção franceses não podem continuar a ser maiores do que os dos seus principais parceiros, enquanto a produtividade cai. Mas negou qualquer conversão ao “liberalismo”, palavra perigosa em França, nem se converteu à palavra “austeridade”, que nunca pronunciou desde que foi eleito. Prefere falar de “rigor”. Nesta terça-feira, disse que “não se trata de inflectir o sentido da marcha, mas de acelerar a marcha”.

Os empresários já tinham reagido bem à sua mensagem inicial. As hesitações da UMP face ao seu inesperado discurso provam que tocou em questões que fazem parte da agenda política do centro-direita.

O seu raciocínio é simples: uma França economicamente fraca e pouco competitiva não poderá pesar sobre a liderança europeia (como se tem visto), nem manter o seu estatuto internacional. Falta ver agora como será concretizada esta nova estratégia económica, que enfrentará fortes reacções dos sindicatos e do seu próprio partido, onde uma ala esquerda continua apegada aos velhos dogmas do poder do Estado e da guerra de classe contra os patrões.

Apesar do seu enorme desgaste político e do desamor dos franceses, Hollande apresentou-se sereno e determinado no esplendor do Eliseu, perante o seu Governo (a que foi atribuindo as tarefas para preparar as reformas) e mais de 500 jornalistas creditados na presidência. Nunca perdeu a compostura, mesmo nas perguntas sobre a sua vida íntima e sobre quem representa o papel de primeira-dama, que não tem um estatuto oficial no seu país.

A França pode não gostar do seu pragmatismo, depois de um primeiro ano errático. Mas o seu caso não é único. Também François Mitterrand fez uma viragem de 180 graus na sua política económica em 1983, quando viu que ela estava a enfraquecer a economia francesa.
 
 
 

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