Momento ideal

Cada vez mais acho que a perfeição não existe, e considero que a minha geração planeia demais

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Toby Melville/Reuters

Nasci na década de oitenta, mais concretamente em 1980, uma época que dizem ter sido de crescimento, de renascimento de um país, com a esperança em alta, com vontade de mudar, de crescer, de se internacionalizar novamente. Assim, foi um tempo onde os sorrisos imperavam e não se faziam grandes planos, não se planeava efectivamente sobre o futuro e se tendia a viver um dia de cada vez, e hoje cá estamos.

Nascida neste turbilhão de emoções, vontades e objectivos novos, sinto-me privilegiada em muitas situações, em tudo o que pude e posso experienciar e arriscar. Contudo, sinto por outro lado, que no meio desta vontade de mudança vivida nestes anos, a minha geração se transformou numa geração que procura o momento ideal para quase tudo, racionalizando muito e planeando muito, perdendo muito do improviso e do sentimento de rebeldia que tinham nossos pais.

Sou apologista de se planear, traçar objectivos, ser realista, mas também devemos arriscar e viver sem ter tudo devidamente mapeado e estruturado, porque neste imprevisto e desconhecido também há vida.

Uma das realidades em que sinto, e sempre sem querer generalizar, que a minha geração é cautelosa e “busca o ideal” é na questão da parentalidade. Há um desejo quase que assustador de ter tudo impecavelmente certo e estruturado para se ser pai e mãe. Ter o emprego X, a casa Y, ter dinheiro para pagar o colégio H, e muitos outros factores que quase que se têm que conjugar como os tão famosos mapas astrais, para a criança nascer.

Com isto não quero que se comece a ter filhos sem condições para os criar, principalmente sem noção da responsabilidade que é educar uma criança. Quero sim que não se pense que o momento tem que ser perfeito, que tem que reunir todas as condições. O nosso egoísmo por vezes prende-nos, porque ter um filho implica abdicar de muitas coisas, e leva-nos a procurar quase que desculpas para adiar esta decisão.

Cada vez mais acho que a perfeição não existe, e considero que a minha geração planeia demais. Podem dizer que a crise, a precariedade de trabalho, a falta de dinheiro são condição para esta realidade. Concordo que dificulta. Mas, como fizeram os nossos pais e avós? As condições deles eram melhores? A emancipação da mulher será a razão para esta mudança? Queremos ter melhores condições e mais qualidade de vida e isso leva à baixa natalidade?

Todas as razões podem ser dadas, mas acho que a procura do momento ideal para se ser pai ou mãe se faz por medo, por descrença em alguns valores que norteavam comportamentos, por falta de laços entre as pessoas.

Não tenho teorias científicas que sustentem a minha opinião, apenas tenho por base o que vou observando, sentindo, ouvindo… E o resultado do que vou “colhendo” comprova-se na diminuição quase que assustadora de nascimentos no nosso país.

Ponderar ter um filho é fundamental. É decidir prolongarmo-nos abdicando um pouco de nós, mas nem tudo é ideal, nem o pode ser. Que não nos falte a coragem para arriscarmos como fizeram nossos antepassados.

Como diz o provérbio “quem muito escolhe, acaba escolhido”, e assim pode acontecer com o desejo de ser pai ou mãe no momento ideal. Ele pode não surgir.

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