Uma civilização numérica
Preocupa-me a ideia consolidada que estes leitores possuem quanto à reincidência do PÚBLICO no que diz respeito aos erros e falhas na citação ou utilização de números.
Por sua vez, outro Leitor, diz: “Refiro-me em particular aos números. Deve haver por aí aversão a algarismos. Até nas datas cometem erros. Ainda recentemente tinham na secção “Escrito na Pedra” um autor que morreu antes de nascer”. (Este, meu caro Leitor, só pode ter sido gralha).
Duvidei pegar nestes exemplos, pois a acusação destes leitores, ao menos desta vez, é genérica e não aponta casos concretos e datados. Mas, mais do que essa ocasional ausência, preocupa-me a ideia consolidada que estes leitores possuem quanto à reincidência do PÚBLICO no que diz respeito aos erros e falhas na citação ou utilização de números. Aliás, esta percepção é reflectida na alegação que esses leitores fazem ao afirmar que mais de uma vez já reclamaram por este motivo. Contudo, estes comentários dos leitores servem para me inspirar no tema desta crónica.
Conforme fui verificar, este assunto foi por mais de uma vez tratado pelo meu antecessor, José Queirós, nas suas crónicas e exactamente em resposta a queixas dos leitores. O assunto merece ser relevado, por duas razões: a primeira, porque estamos a viver numa civilização, primordialmente, referenciada por números, estatísticas; depois, como salientava José Queirós, no seu artigo, publicado em 3 de Fevereiro de 2013, sob o título, “Números o que dizem e o que escondem”, “o tratamento editorial de dados estatísticos e o ângulo a privilegiar na divulgação de números que retratam uma realidade multifacetada é um dos terrenos em que o jornalismo de qualidade deve deixar a sua marca”.
Com efeito, no campo mediático, factos, fenómenos e situações, são cada vez mais referenciados por números. Para utilizar um exemplo mais anódino face a posicionamentos político-partidários (?), quando se diz, na divulgação dos dados fornecidos pelas entidades competentes que, nesta quadra natalícia, registaram-se nas estradas x mortos, y feridos graves, z feridos ligeiros, procurando sempre tirar efeitos das melhorias em relação ao ano anterior, fica-se sem saber quantos dos feridos graves vieram a morrer na sequência do desastre, quantos acidentados viram suas vidas e famílias devastadas. No cruzamento dos factores explicativos deste ponto de situação da segurança rodoviária para além do tríade causal sempre enunciada (velocidade a mais, álcool e manobra perigosa), pouco ou nada se sabe quanto à falha das máquinas, às más condições das vias, à situação mental dos condutores, ou se por efeito da crise tivemos menos automóveis a circular nas estradas portuguesas, etc., etc. Os números secos referem sobretudo a actuação das polícias envolvidas para regular esta situação. Escalpelizam muito tenuemente a situação dramática que estes números envolvem.
Numa conjuntura actual muito marcada pela situação económica explora-se como “verdades absolutas e incontestáveis” a oscilação de centésimos ou milésimos nas unidades definidoras do estado do sector ou da problemática em análise. Provavelmente o termómetro é o instrumento mais utilizado nos hospitais. Cá fora numa sociedade baloiçante pelo movimento dos Mercados, deverá ser, porventura, o índice das Bolsas ou o percentual dos juros. São os ratings das agências que marcam as políticas dos Estados.
Obviamente que a minha tese neste texto não é abjurar os números ou o seu valor indicativo. É esconjurar, isso sim, o valor absoluto com que normalmente as notícias os referem sem contextualizar a integração que eles devem ter no fenómeno em análise.
Quando me confronto com este tema, lembro-me das palavras de Albert Einstein (1879-1955): “Na medida em que as leis da matemática se referem à realidade, não são exactas, e na medida em que são inexactas, não se referem à realidade”. Somos uma civilização numérica. Os grandes problemas sociais são facilmente referenciados em dados, estatísticas. Os números funcionam como o elixir dos fenómenos. Focar esses fenómenos sem convertê-los em números, em gráficos, é suspeição de ignorância. Em contraponto, somos uma civilização pouco substantiva. A nominação perde força. Os conceitos significam por vezes o seu próprio antónimo, como a palavra ou seja o adjectivo “irrevogável”, ou “ajustamento financeiro” que quer dizer “empobrecimento”.
Ora, a pertinência deste tema, não é estar contra a erudição dos números. A clareza dos números esconde muitas vezes a invisibilidade, o lado oculto dos fenómenos. E se o papel do jornalista não é só o de dar notícias, mas enquadrar o acontecimento, interpretar os factos, explicar os fenómenos, face a uma civilização aprioristicamente enfeitiçada pela dita “objectividade” dos números, desmistificar a linguagem dos números e as ilações que tão facilmente deles se pretende tirar pode muito bem ser uma função muito positiva dos jornalistas. Por isso, os jornalistas do PÚBLICO não só terão de ter todo o cuidado com a correcta enunciação dos números, dos dados estatísticos, como evitar deixar enredar-se no fácil “ilusionismo” que esses números operam sobre a realidade das situações.
Do cuidado a ter com os números
BENJAMIN DISRAELI (1804-1881), provavelmente numa época em que a disciplina da Estatística e os métodos e técnicas para relevar o significado dos números não eram tão sofisticados, Disraeli dizia: "Há três tipos de mentiras: mentiras, malditas mentiras e estatísticas".
JOSÉ PACHECO PEREIRA,num artigo publicado no PÚBLICO, em 28 de Dezembro de 2013, sob o título "2014, o combate pelas palavras", escreve: "2014 será um ano de completo, devastador, cruel, sem tréguas, combate pelas palavras. Dizendo palavras digo também ideias e fragmentos de ideias, mensagens virais e manipulações circulantes, explicações e mistificações, estatísticas, estatísticas torturadas,soundbites e frases assassinas".
Do correio Leitor/Provedor
“Contacto-o, desta feita para fazer uma sugestão (mais do que uma reclamação). Fui durante cerca de 9 meses assinante da versão online do Público. Fiquei extremamente agradado com as funcionalidades do website (ainda o antigo) mas infelizmente, pelo facto de no trabalho não ter tempo para consultar integralmente a versão online, não renovei a minha assinatura. Neste momento leio o Público em versão papel no caminho para o trabalho. No entanto, não raras vezes, gostaria de poder também aceder a versão online do jornal. Assim, vinha sugerir que fosse disponibilizada aos leitores da versão em papel (mesmo que comprem o jornal esporadicamente) uma forma de poderem fazer o download do PDF do jornal que compraram ou pelo menos de o consultarem online na sua versão integral. Penso que isto traria grande utilidade aos leitores do Público.”
Comentário do provedor: Como o Leitor facilmente entenderá este assunto não cabe nas competências do provedor. Diz respeito à Administração e à Direcção. Como tal reencaminhei este seu email para a Direcção.