Apenas um cromossoma a mais

Apenas um cromossoma a mais que corresponde a um fardo pesado da qual não nos podemos livrar. Por vezes, este fardo da diferença causa a indiferença das pessoas

Foto
Alejandro Acosta/Reuters

“Mais vale ter a mais do que a menos”, diz a sabedoria popular. Em quase tudo na vida é melhor ter 47 do que 46, seja do que for…a maior exceção delas todos é no número de cromossomas.

Uma molécula a mais do composto que dá a vida e esta passa a ter um asterisco associado. Apenas um cromossoma a mais que corresponde a um fardo pesado do qual não nos podemos livrar. Por vezes, este fardo da diferença causa a indiferença das pessoas.

É certo que não somos resultado da mera leitura do nosso código genético. Não é preciso ser um laureado nas Ciências para saber esse facto: Eça de Queiroz, n’Os Maias, explana bem esse ponto de vista, enunciando a influência da educação e do meio ambiente, além da hereditariedade, no desenvolvimento das pessoas. Mas não se pode educar todas as células do nosso organismo a rejeitarem o cromossoma a mais, nem gerar condições ambientais que o inibam.

O objetivo de vida de qualquer ser vivo é a perpetuação dos seus genes. O ser humano é o único dotado de racionalidade, que pode, voluntariamente, optar por contornar esta lei universal. Atualmente, com a evolução da Ciência e da Tecnologia, as variáveis a ponderar na tomada dessa decisão multiplicam-se. Aliás, agora pode-se retardar a decisão até depois da fecundação ter ocorrido.

Num dos rasgos de racionalidade mais aclamados da História da Terra - a Declaração Universal dos Direitos do Homem - estão consagrados direitos como o da liberdade e à vida. Mas na altura o paradigma era diferente, não seriam necessárias tantas reflexões sobre quando começa a vida uma vez que o diagnóstico pré-natal não permitia vislumbrar que, por exemplo, o bebé seria portador de Síndrome de Down.

Cada vez mais a Ciência é divina. Tem poderes que são atribuídos a Deus pelas diferentes religiões. A mesma Ciência que tem a capacidade de prolongar a vida tem também o poder de a retirar.

Se uma criança for contemplada com um infortúnio, desenvolvendo uma doença que lhe vá condicionar para sempre, limitando-a na sua atividade e ceifando-lhe tempo de vida, todos acodem, apelam, choram, rezam para que a criança sobreviva. Mesmo tendo a noção que a sua vida será, irremediavelmente, limitada. É uma reação normal, ninguém fica indiferente perante o quadro descrito, contudo paradoxal face à ligeireza e compreensão com que se aceita o aborto de um portador de Síndrome de Down.

Nunca um deficiente é alvo de chacota, está implantado no consciente humano, qualquer comentário jocoso ou ato discriminatório é prontamente repudiado pelo senso comum. No entanto, optar por não trazer ao mundo um indivíduo com trissomia 21 não é reprovável. Cada um de nós é único no Universo. Teremos o direito de escolher que peças únicas devem existir?

Qualquer mãe e qualquer pai têm como objetivo que o seu filho seja feliz. E o que é a felicidade senão a alegria genuína com que se aproveitam os momentos, de forma praticamente (ou mesmo) irracional?…Sabem o quão feliz é uma pessoa com trissomia 21?

Sugerir correcção
Comentar