Tribunal de Contas aponta vícios ao concurso da Casa das Artes de Felgueiras

Relatório de auditoria ao Programa Operacional do Norte também critica organização da Guimarães 2012, pelo salário da primeira directora executiva e pelos termos do arrendamento da Fábrica ASA.

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Projecto do arquitecto Filipe Oliveira Dias já previa pintura do tecto por José Emídio Adriano Miranda

Publicado na Internet no penúltimo dia de 2013, o relatório da auditoria do Tribunal de Contas (TC) à gestão do Programa Operacional do Norte, ON.2, conclui pela existência de irregularidades no concurso público da empreitada da Casa das Artes de Felgueiras. No relatório sobre a aplicação, entre 2007 e 2012, dos fundos comunitários destinados ao Norte, o TC considera que aqueles vícios são susceptíveis de originarem “eventual responsabilidade financeira sancionatória”.

Em causa está o facto de o caderno de encargos do concurso público para a reabilitação e ampliação do antigo Teatro Fonseca Moreira, uma empreitada de 3,236 milhões de euros comparticipada a 85% pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, conter especificações técnicas que o TC considera “discriminatórias” e violadoras das normas da contratação pública e dos preceitos legais relativos à “concorrência e imparcialidade”. O TC refere-se concretamente ao facto de o concurso lançado em 2008 pela administração da ACLEM – Arte, Cultura e Lazer, Empresa Municipal, de Felgueiras, então presidida por Fátima Felgueiras, que liderava o executivo municipal, já nomear o artista plástico (José Emídio) que deveria pintar o tecto da sala de espectáculos e prever a marca e modelo de cadeiras que deveriam equipar a sala e a régie do equipamento.

Em sede de contraditório, Fátima Felgueiras e os técnicos municipais responsáveis pelo caderno de encargos referem que, mesmo que se justificasse, o procedimento por responsabilidade sancionatória já estaria prescrito. Em qualquer caso, negavam ter violado o regime da contratação pública, argumentando que este projecto correspondia àqueles casos excepcionais previstos na lei, por estar em causa um “imóvel merecedor de protecção especial”, de grande interesse histórico, cultural e arquitectónico, que “exigia redobrados cuidados artísticos e técnicos”, com vista à preservação da sua identidade. Além disso, acrescentaram, a designação do artista que deveria pintar o tecto da sala de espectáculos e o modelo específico das cadeiras que o deveriam equipar constavam já do projecto elaborado pelo arquitecto Filipe Oliveira Dias – seleccionado por ajuste directo, em nome da sua “elevada qualidade técnica e artística” e da sua “vasta experiência” em obras do género, como os teatros municipais de Vila Real e Bragança, do Centro de Artes da Covilhã, do Teatro Helena Sá e Costa, no Porto, do Teatro de Gil Vicente, de Barcelos, e da Casa das Artes do Espectáculo de São João da Madeira – e que, “por força dos respectivos direitos de autor”, não era possível alterar essas indicações”.

O TC não acolhe nenhum destes argumentos. Mantém que o caso só prescreveria em Março deste ano e salienta que no processo em questão não existe qualquer fundamentação que permita justificar estarmos perante uma empreitada com o carácter de excepcionalidade invocada. “Aliás, se a cuidada preservação da identidade arquitectónica e cultural do edifício apenas poderia ser garantida pelo artista plástico em causa, a ACLEM deveria ter procedido directamente à sua contratação, sem intermediação do empreiteiro adjudicatário. No projecto apenas se refere ‘Pintura do tecto da sala de espectáculos pelo artista plástico [tal] com motivos de carácter alegórico, a definir, com tinta de base acrílica’ (…) Trata-se da mera indicação de um executante e não a especificação de uma concepção artística, pelo que no projecto de arquitectura não existiam direitos de autor que pudessem ser violados”.

Quanto às cadeiras, o TC observa que existem outros modelos desse e outros fabricantes susceptíveis de satisfazer os mesmos requisitos funcionais e estéticos, “ainda que os designers respectivos não sejam o autor do projecto de arquitectura”.

Outro processo objecto de “verificação” por parte do TC foi o dos “Custos Transversais da Fundação Cidade de Guimarães” (FCG), organizadora da Capital Europeia da Cultura de 2012. Aqui o TC sublinhou que o contrato de arrendamento de parte das instalações da Fábrica ASA, celebrado em Junho, foi objecto de um aditamento em Novembro de 2011 que previa um aumento da área arrendada e a realização de obras pelo senhorio, de acordo com especificações técnicas acordadas entre as partes. Por força deste aditamento, a renda mensal passou dos 10.144 euros de Junho para os 28.035 euros de Novembro, um aumento de custo de 176%, quando a área arrendada aumentou apenas 32,9%, compara o TC.

A FCG, em sede de contraditório, alegou que o espaço albergou as mais importantes exposições da Capital da Cultura na área da Arte e Arquitectura, com colecções institucionais cuja cedência implicava o cumprimento de condições de temperatura e humidade “extremamente exigentes”.

A outra questão levantada pelo TC é a do vencimento de 9570 euros de Carlos Martins, como director executivo da FCG. O TC reconhece que o regime legal da FCG deixou a fundação fora do alcance dos limites de remuneração previstos para a função pública (75% do somatório do vencimento e despesas de representação do Presidente da República, que ultrapassou em 2677 euros), mas não deixa de comentar que esta “é uma entidade financiada quase exclusivamente por dinheiros públicos”. E apesar de, em contraditório, a FCG alegar ter atendido ao nível de exigência e profissionalismo e ao espaço temporal das funções em causa, e de garantir que considerou os vencimentos praticados na Porto 2001 e nas fundações de Serralves e a da Casa da Música, o TC não deixa de comentar que “é muito discutível considerar a fixação daquela remuneração (…) um acto de boa gestão financeira”.

Carlos Martins conduziu Guimarães 2012 entre 2009 a 2013, com um interregno de cerca de três meses, quando saiu da estrutura em colisão com a então presidente do conselho de administração Cristina Azevedo. Aliás, esta não é a primeira vez que os salários praticados na FCG são alvo de críticas. A fundação criada em 2009 pela autarquia vimaranense e pelo Estado foi notícia pelos salários auferidos pelos membros do conselho de administração, que atingiriam os 600 mil euros por ano: Cristina Azevedo estava a ganhar 14.300 euros mensais, seguida de Carla Morais e João Serra, vogais executivos, que auferiam 15.500 euros por mês cada, e Manuel Monteiro, vogal não executivo, a quem seriam pagos 2 mil euros por mês. Os salários do conselho de administração, que tinham sido estipulados aquando da criação da entidade pelo então presidente da Câmara de Guimarães, António Magalhães, foram, algumas semanas mais tarde, reduzidos em 30% pela depois formada Comissão de Vencimentos, presidida pelo mesmo autarca.

A auditoria do TC ao ON.2 analisou mais seis processos em relação aos quais não encontrou nada de muito significativo a assinalar. Foi o caso do Centro Materno Infantil do Norte, em construção, e do Centro de Reabilitação do Norte, em relação ao qual o TC dizia apenas ser preciso colocar em funcionamento, uma vez que a obra já estava há muito concluída. Neste ponto, a autoridade de gestão do ON.2 comentou que já analisara o Acordo de Gestão celebrado entre a Administração Regional de Saúde do Norte e a Santa casa de Misericórdia do Porto e que o equipamento abriria em Dezembro passado, como sucedeu.

O Programa de Valorização Paisagística e Turística da Zona envolvente da Barragem do Vilar, do Município de Sernacelhe, e a criação do Parque Urbano da Devesa, do Município de Vila Nova de Famalicão, também passaram sem reparos na avaliação do TC. Sobre a construção do Hotel Carris Ribeira, o tribunal limita-se a observar que o beneficiário dos fundos deveria estar na posse de um original do contrato de financiamento, mesmo tendo sede no estrangeiro. Já quanto à Operação Escola Segura, da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e da Ciência (contemplada com 7,66 milhões para instalação de câmaras de vigilância em escolas do Norte), o TC afirma que, no estabelecimento de ensino que visitou, constatou que os utilizadores não estavam ainda plenamente esclarecidos quanto à utilização e potencialidades do sistema.

Notícia alterada: corrigido o nome do director executivo da FCG e acrescentado o 9.º parágrafo.
 
 

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