Sem-abrigo japoneses recrutados para limpar Fukushima

Através de redes de subcontratação dominadas pelos maiores grupos criminosos do Japão, as empresas encarregadas do programa de descontaminação empregam sem-abrigo dispostos a trabalhar por salários miseráveis.

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Sem-abrigo na estação de Sendai, na zona de Fukushima Issei Kato/Reuters

Os sem-abrigo japoneses estão a ser recrutados para participar no programa de limpeza da área afectada pelo desastre nuclear de Fukushima. Uma investigação da Reuters revela que os recrutadores recebem 100 dólares (72 euros) por cada sem-abrigo que consigam angariar.

Um dos homens que procura os sem-abrigo, Seji Sasa, descreve o seu trabalho da seguinte forma: “Não faço perguntas, não é essa a minha função. Apenas procuro pessoas e mando-as trabalhar. Mando-as e recebo dinheiro em troca. É isso. Não me envolvo no que acontece depois”.

O trabalho de pessoas como Sasa é o de encontrar quem esteja disposto a aceitar um dos trabalhos menos desejáveis do mundo industrializado: a limpeza de resíduos radioactivos numa área superior a Hong Kong.

Depois do tsunami que arrasou várias cidades do nordeste do Japão e que causou um acidente nuclear, foi posta em curso a maior operação de limpeza radioactiva. No início do mês, o Governo de Shinzo Abe, que prometeu “assumir toda a responsabilidade pelo renascimento de Fukushima”, aumentou a dotação do programa para 35 mil milhões de dólares (25 mil milhões de euros).

O programa de limpeza está atrasado e apresenta falhas na supervisão e falta de trabalhadores, de acordo com a investigação da Reuters. O Governo encarregou cerca de 20 grandes empresas de organizarem o programa. Uma delas, a gigante da construção Obayashi, foi infiltrada por várias redes criminosas que usavam a rede de subcontratação para enviar ilegalmente trabalhadores para a zona de descontaminação.

Através de redes criminosas, recrutadores como Sasa angariam sem-abrigo, normalmente em estações de comboio, e colocam-nos ao serviço das empresas de subcontratação. A Obayashi não foi acusada de nenhum crime, mas a onda de detenções que ocorreu em Janeiro, Outubro e Novembro demonstra a integração de criminosos nas redes de subcontratação de grandes empresas.

Apenas um terço do dinheiro do programa de limpeza destinado a salários chega aos trabalhadores, a maioria ficando com os intermediários que fazem parte das redes. Seji Sasa recrutava sem-abrigo para Mitsunori Nishimura, um chefe da máfia de Sendai, a maior cidade afectada pelo tsunami.

Os trabalhadores recrutados eram então colocados em pequenos dormitórios, pelos quais tinham de pagar, bem como pela água e comida que consumissem. Um dos sem-abrigo contactados pela Reuters contou que, ao final do mês, depois de deduzidas as dívidas, ficava com cerca de dez dólares (7,2 euros).

Ao todo, são mais de 700 as empresas envolvidas no processo, um número que torna praticamente impossível uma supervisão por parte do Ministério do Ambiente. “Se se começasse a olhar para cada pessoa, o projecto não andaria para a frente. Não se teria nem um décimo das pessoas necessárias”, afirmou o presidente da empresa de construção Aisogo Service, Yukio Suganuma.

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