A tragédia dos fogos e o bom presságio de um ministro

O balanço do Ambiente em 2013.

A boa notícia: Um lince em Milfontes

Hongo, um lince-ibérico nascido em Espanha em 2011, foi visto e fotografado em Maio numa zona de caça em Vila Nova de Milfontes. Não se deve sobrevalorizar o episódio, mas é sem dúvida um dado positivo. O felino mais ameaçado do mundo desaparecera quase por completo de Portugal. Os avistamentos são raríssimos. Nos anos 1990, um animal foi capturado por cientistas na Malcata mas terá morrido vítima da anestesia – numa história nunca bem esclarecida. Em 2010, outro lince vindo de Espanha andou pela região de Moura-Barrancos, junto à fronteira. Hongo foi muito mais longe: veio de Doñana, no sul de Espanha, atravessou Portugal, foi almoçar em Milfontes e por aí se quedou. É sinal de que o seu habitat não está tão deteriorado, alimentando esperanças quanto à reintrodução da espécie no país.

A má notícia: Fogos sem controlo

A época de incêndios florestais em 2013 foi terrível. Entre Janeiro e Outubro, arderam 141.000 hectares de matos e florestas. É o maior valor desde 2005 – um ano excepcional, com 339.000 hectares ardidos. Só em sete dos 33 anos desde 1980 houve uma área maior afectada pelas chamas. O resultado mostra que a despeito de anos de estratégias e planos, da prevenção dos sapadores e do ordenamento das zonas de intervenção florestal, do reforço do combate e da vigilância, a floresta continua tão à mercê do fogo como antes. O grande determinante continua a ser a meteorologia. Este ano, os incêndios assumiram uma outra dimensão ainda mais trágica, com a morte de nove pessoas, das quais oito eram bombeiros. Um relatório encomendado pelo Governo sugere que o problema está na própria formação dos soldados da paz.

A figura: Jorge Moreira da Silva

O ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, Jorge Moreira da Silva, foi uma figura de destaque em 2013 mas não por nada em particular que tenha realizado. Na verdade, em apenas meio ano no Governo, não fez nada de notável. O anúncio da sua escolha, na remodelação governamental de Julho, foi porém saudado como um bom presságio, alimentando uma nesga de esperança de que os temas ambientais assumam alguma relevância no Executivo, depois de marginalizados sob a tutela de Assunção Cristas.

O novo ministro tem credenciais na área, tendo a ela se dedicado como eurodeputado, secretário de Estados e alto funcionário da ONU. Conseguiu que Pedro Passos Coelho juntasse a tutela da energia ao seu ministério, acabando com a desastrada união da agricultura com o ambiente.

Se por isso surgiu como uma figura de destaque em 2013, será no próximo ano que terá de provar o que quer e consegue fazer. As suas posições em relação ao ambiente são uma excepção num Governo avesso à área, preocupado em satisfazer a troika e eleito com um programa no qual praticamente não se fala da sustentabilidade.

O seu principal trunfo para vingar neste contexto adverso está na fiscalidade verde – ou seja, a criação de taxas e impostos ambientais, que substituam parcialmente os que incidem sobre o trabalho. Ou seja, pode ser uma alternativa para amenizar a austeridade.

É uma das receitas do relatório da sua Plataforma para o Crescimento Sustentável, a organização que criou em 2011 para pensar o país pós-troika.  E já está na agenda do Governo. Mas como é algo que provavelmente mexerá nos bolsos das grandes empresas, está por ver até onde a ideia avançará. 

A seguir em 2014

- A reorganização do sector da água, com a fusão dos sistemas de abastecimento em quatro grandes unidades, vai promover mudanças e conflitos. Não é matéria que agrade a todos os municípios. Existe a promessa de maior justiça nas tarifas entre o litoral e o interior. Mas no geral, os preços da água prometem subir, em função da aproximação do preço aos custos.

- A privatização do sector dos resíduos vai dar o que falar. Estava prevista para 2013, mas tem estado amarrada a questões legais e estratégicas que só agora começam a ficar esclarecidas. Ainda há trabalho de casa a fazer.

- O Parlamento vai discutir e deliberar sobre uma nova lei dos solos e do ordenamento do território, que pela primeira vez propõe taxar as mais-valias urbanísticas. Os deputados e a sociedade civil têm estado, porém, pouco preocupados com o assunto, que é central para o ambiente.

- 2014 será o ano final das contas do Protocolo de Quioto. O tratado fixou metas de emissões de CO2 para 2008-2012, mas os relatórios com os dados são sempre comunicados com dois anos de atraso. Portugal adoptou medidas insuficientes. Mas a crise fechou fábricas e tirou carros da estrada, e o país afinal está em condições de cumprir a sua parte.

- À beira do colapso, o mercado europeu de carbono vai enfrentar o seu teste de sobrevivência, com um balão de oxigénio: o congelamento dos leilões de licenças, para aumentar-lhes o preço. Portugal tem em mãos direitos de emissão de CO2 que comprou caro e agora estão a preço de banana.

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