Justiça turca desafia tentativas de controlo de Erdogan

Militares garante não quererem "ser implicados nos debates políticos”. Demitem-se deputados do partido no poder.

Foto
“O Conselho Supremo de Juízes e Procuradores cometeu um crime”, afirmou Erdogan Umit Bektas/REUTERS

O Conselho de Estado, a mais alta instância administrativa da Turquia, rejeitou o decreto do Governo turco para travar a investigação sobre corrupção em larga escala que já fez cair ministros e o director de um banco público. Erdogan queria que todas as esquadras de polícia passassem a informar previamente à respectiva hierarquia dos pedidos de detenção e de buscas feitos pelo Ministério Público. A medida era encarada como uma forma de interferir na independência dos tribunais.

Só dá sinais de se agudizar a crise política que esta investigação judicial revela – provocada pelo corte de relações entre o primeiro-ministro, Recep Tayyip Erdogan, e o imã Fethullah Gülen, líder de um movimento com ramificações a nível mundial, que apoiou a sua ascensão ao poder e o ajudou a extirpar a mão de ferro com que os militares dominavam a Turquia, intervindo com vários golpes ao longo do século XX.

Uma outra instituição, o Conselho Supremo de Juízes e Procuradores, que nomeia estes profissionais de justiça e aplica sanções disciplinares, pronunciou-se esta sexta-feira a favor do procurador Muammer Akkas, que ontem se queixou de ter sido afastado do caso que investiga – ele não o disse, mas os jornais turcos publicaram notícias dizendo que estaria prestes a convocar, e talvez deter, os filhos do próprio Erdogan, Bilal e Burak. O procurador-chefe de Istambul, Turhan Colakkadi, garantiu que Akkas tinha sido afastado porque estava a passar informações aos media, mas o Conselho Supremo apoiou-o, condenando também o decreto que obrigava os polícias a informar os superiores de todas as acções, por “violar a Constituição.”

Erdogan respondeu de uma forma que começa a tornar-se característica: “O Conselho Supremo de Juízes e Procuradores cometeu um crime”, afirmou, num discurso na Universidade de Sakarya. “Pergunto: quem vai julgar este Conselho? Se eu tivesse autoridade para isso, fá-lo ia.”

Mas a actuação de Erdogan não é unânime dentro do seu próprio partido. Três deputados do Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) demitiram-se ontem, juntando-se a outros dois que já se afastaram do partido conservador islâmico – que poderia ter um equivalente nas formações democratas-cristãs da Europa ocidental – desde que rebentou o escândalo de corrupção, a 17 de Dezembro, e que eram conotados com o movimento de Gülen. “Já não é possível fazer com que ninguém ouça nada dentro do partido do poder”, declarou o ex-ministro da Cultura Ertugrul Günay, que acusou o AKP de “arrogância”.

O vice-presidente do AKP na cidade de Izmir, Erdal Kalkan, foi outro dos que se demitiram, depois de ter sido remetido para o comité de disciplina do partido por ter considerado indevida a pressão do Governo sobre os procuradores que estão a investigar a corrupção na atribuição de terrenos para construção, em empreitadas atribuídas pela TOKI, a agência governamental para o construção de habitações a preços controlados. “Isto não acaba aqui. O nosso povo honrado vê tudo. Que o árbitro seja o povo”, escreveu no Twitter, citado pelo jornal em inglês Today’s Zaman – propriedade de um grupo de media de Fethullah Gülen.

Os militares, que tantas vezes intervieram para impor a sua ordem no país, recusam-se a interferir, diz a AFP. “As Forças Armadas turcas não querem ser implicadas nos debates políticos”, afirmou o Estado-maior turco num comunicado publicado online, depois de um jornal pró-governamental ter publicado um artigo de um conselheiro político de Erdogan que sugeria que o escândalo de corrupção poderia abrir caminho a uma intervenção militar
 

Sugerir correcção
Comentar