Os erros do Partido LIVRE

A declaração de princípios do candidato a partido LIVRE é uma declaração social-democrata (liberdade, igualdade, justiça social, socialismo não estatal), europeísta e pugnando por uma democracia europeia, universalista, ecologista, declaração absolutamente compatível com os princípios de qualquer partido social-democrata europeu.

O LIVRE pretende vir a colocar-se a meio da esquerda.

Afirmam-se como tal, em Portugal, o PCP, BE e PS. O primeiro apenas governou no PREC e fez perigar a evolução do país para uma democracia representativa. O PCP e o BE funcionam, sobretudo, como partidos de protesto. Ajudam a derrubar governos, mas não procuram criar alternativas credíveis em democracia.

Da esquerda  considera-se também o PS: a este podemos atribuir uma influência decisiva na criação de uma democracia representativa e de um Estado social em Portugal.

O PPD quis-se atribuir os méritos da social-democracia, passando a chamar-se "social-democrata". O pensamento de Sá Carneiro iria nesse sentido. Procurou filiar o partido que dirigia na Internacional Socialista. Mas nunca, com seriedade, se assumiu como um partido de esquerda – o que não  impediu que coexistisse neste partido uma forte corrente social-democrata, agora completamente impotente e extremamente crítica da actual governação, como o é um dos autores deste artigo.

Para compreendermos, ou melhor, não compreendermos o posicionamento do LIVRE, vamos, numa rápida pincelada, analisar as flutuações de voto entre o PS e PSD desde 1976.  

Nesse ano o PS obteve cerca de 800 mil votos mais do que o PSD. Mas já em 1979 perdeu para a aliança de direita, AD, que obteve  à volta 300 mil votos mais do que o PS. E em 1980, a coligação de centro-esquerda ficou a mais de 1 milhão 100 mil votos da coligação de direita.

Contudo, em 1983, o PS voltou a ultrapassar o PSD em cerca de 500 mil nvotos.

O terramoto PRD surgiu em 1985. Este novo partido, dito "eanista", obteve acima de 1 milhão de votos, conquistados sobretudo ao PS, mas também ao PCP. O PRD foi o único partido de massas, efémero, é certo, a surgir depois de 1976. A indecisão do seu líder real, general Eanes, de excepcional prestígio, acabou por o fragilizar.

Na sequência da vitória de 1985, o PSD, em 1987, ultrapassou o PS, com a enorme vantagem de cerca de 1 milhão e 600 mil votos, diferença que manterá, aliás, em perda, em 1991, mas conservando  ainda mais de 1 milhão e 200 mil votos do que o PS.

Nova viravolta em 1995: o PS ultrapassou o PSD em mais de meio milhão de votos, tendo mesmo aumentado esta vantagem em 1999.

Esta situação inverteu-se em 2002: o PSD obteve uma ligeira vitória sobre o PS, não indo, contudo, a diferença além de cerca de 150 mil votos.

Nova cambalhota em 2005: o PS conseguiu arrecadar cerca de 1 milhão de votos mais do que o PSD. Vantagem que se mantém em queda em 2009: o PS obteve quase mais 500 mil votos do que o PSD, pressagiando a vitória do PSD em 2011 com mais de 600 mil votos do que o PS.

Temos, deste modo, desde 1976, seis vitórias do PS e cinco do PSD. Com a vitória de cada um destes partidos a deslocar, habitualmente, centenas de milhares de votos!

Foi também nesta área que surgiu em 1985 o PRD, aliás, também social-democrata.

Por que é que o LIVRE não procurou inserir-se nesta área sempre em movimento, com propostas inovadoras a nível da democracia participativa (faz algumas), quando os partidos políticos e a democracia representativa estão em queda livre em termos de prestígio?

Sendo, todavia, indiscutível que centenas de milhares de votos se deslocaram pendularmente ora para o PSD, ora para o PS, votando os eleitores à esquerda, sem complexos, quando o julgaram necessário. Estes votantes são o sal da democracia portuguesa! Exigentes e disponíveis.

Para sermos mais claros, vamos analisar a evolução dos partidos que se pretendem colocados à esquerda do PS desde as primeiras eleições livres em 1976.

Nas primeiras eleições livres o PCP obteve cerca de 800 mil votos. Cresceu em 1979, através de uma frente unitária, que manteve até agora sob outras formas, atingindo então o seu máximo histórico: mais de 1 milão e 100 mil votos.

Baixando, todavia, em 1980 para cerca de 1 milhão de votos, score que manteve em 1983. Desceu, em 1985, para cerca de 900 mil votos, também afectado pelo fenómeno PRD.

Descida que continua em 1987, conquistando 700 milhões de votos, e em 1991, com meio milhão.

Conseque estabilizar a queda em 1995 e 1999, mas continua em queda ligeira em 2002, com cerca de 400 mil votos. Sobe, contudo, ligeiramente em 2005 e 2009, captando cerca de 450 mil votos em 2011.

Entretanto surgiu o BE, que sobe sempre de 2002 a 2005 e 2009, atingindo mais de meio milhão de votos. Para, contudo, regredir em 2011 para cerca de 300 mil votos.

O que significa que o BE e o PCP juntos só atingiram o máximo histórico da coligação comunista de 1979 em 2009, para decaírem em 2011.


O que nos leva a admitir que um partido claramente social-democrata, a meio da esquerda, num momento de gravíssima crise económico-financeira, dificilmente se poderá implementar na área do PCP-BE. O mais certo é a subida do PCP com uma longa tradição de luta nesta área.

Mas há algo de mais surpreendente: o LIVRE tem a pretensão de poder unir a esquerda, o que explicita no Roteiro para a Convergência. Compreenderíamos que este possa ser o objectivo de um movimento cívico. Os autores deste artigo pertenceram a um movimento cívico que teve, sem sucesso, essa pretensão piedosa.

Mas pôr esse objectivo como a primeira intenção de um novo partido, que para existir terá de ir buscar votos ao PS, BE e PCP, é, a nosso ver, de uma comovente ingenuidade.

Professores catedráticos

 
 
 
 
 

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