Nova tentativa de cortar pensões terá de ser mais gradual e incluir privados

Constitucionalistas dizem que será difícil ao Governo apresentar no curto prazo uma reforma de pensões que seja aceitável para o Tribunal Constitucional.

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Não é em quaisquer condições que o corte de pensões pode ser feito,avisa Tribunal Constitucional Nuno Ferreira Santos

Alargar o ónus da sustentabilidade do sistema também aos pensionistas do sector privado, pedir esforços e sacrifícios de forma mais gradual e apontar, em vez da convergência, para uma verdadeira unificação dos regimes da Segurança Social. Estes são, explicam os constitucionalistas contactados pelo PÚBLICO, alguns dos requisitos que uma nova tentativa do Governo de proceder a poupanças nas despesas com pensões em Portugal terá de cumprir se quiser tornar menos provável mais um chumbo do Tribunal Constitucional. Uma tarefa difícil de executar no curto prazo e que pode colocar em causa a realização de poupanças significativas já no próximo ano.

Nesta sexta-feira, em Bruxelas, o primeiro-ministro reagiu à decisão do dia anterior do Tribunal Constitucional dando sinais claros de que o Governo irá tentar encontrar outra forma de proceder a uma redução das pensões, preferindo por isso a adoptar medidas como a subida de impostos. "Dado que o tribunal admite que uma medida que vise garantir a sustentabilidade das pensões e que passe pela redução das pensões em pagamento pode ser constitucional em determinadas condições, nós não deixaremos de analisar essas condições de forma muito detalhada para ver em que medida é que uma outra medida substitutiva desta pode ser encontrada", afirmou Passos Coelho.

De facto, um dos pontos mais evidentes do acórdão publicado na quinta feira à noite pelo Tribunal Constitucional – e das declarações do seu presidente a seguir ao anúncio da decisão – é a ideia de que um corte de pensões já em pagamento é possível. Os juízes já tinham dito isto em decisões anteriores e agora repetiram-no: a Constituição protege o direito a receber uma pensão, mas não um valor concreto de pensão.

No entanto, não é em quaisquer condições que esse corte de pensões – que implica necessariamente um golpe nas expectativas dos pensionistas – pode ser feito, avisa o Tribunal Constitucional. No caso da convergência de pensões agora tentada, essas condições não eram claramente cumpridas, e por isso foi declarada a inconstitucionalidade por violação do princípio da constitucionalidade.

"O tribunal disse que não há nenhum tabu em falar de cortes nas pensões, mas deixou claro que para que tal aconteça tem de fazer parte de uma reforma estrutural e não ser apenas uma medida avulsa para reduzir despesa. Não é fácil, agora, com pequenas alterações e ajustamentos, apresentar a mesma lei e conseguir os mesmos montantes que se pretende poupar. Se o argumento do tribunal fosse outro – como a violação do princípio da proporcionalidade – talvez fosse mais simples, mas o princípio da protecção da confiança tem outra amplitude", explica Pedro Bacelar Vasconcellos. O constitucionalista defende que a decisão do tribunal "era tão previsível que não é desculpável que o Governo não tenha já preparadas medidas alternativas".

Jorge Pereira da Silva tem a mesma opinião. "Não vejo que o Tribunal Constitucional tenha aberto uma porta. O que fez foi dizer que existe uma porta, que o Governo eventualmente pode abrir. Mas é uma porta estreita, muito exigente, que eu tenho dúvidas que o Governo consiga abrir num curto espaço de tempo", afirma este constitucionalista.

Mas que exigências são essas que tornam a porta tão estreita para o Governo? O acórdão da decisão do Tribunal Constitucional em relação à convergência das pensões dá algumas pistas.

Em primeiro lugar, é dito que, com os cortes que se pretendia fazer nas reformas do sector público, não se estava a contribuir para a sustentabilidade do sistema de pensões. "O tribunal diz que os sacrifícios têm de ser úteis e que tal não acontecia nesta proposta", assinala Bacelar Gouveia. Em particular, o acórdão afirma que a sustentabilidade da Caixa Geral de Aposentações está logo à partida posta em causa pelo facto de os novos funcionários já não contribuírem para o sistema, e que, por isso, não faz sentido que o sacrifício agora exigido seja só aos pensionistas do sector público.

Depois é defendido que a convergência de que o Governo fala é meramente parcial. "O tribunal diz que o corte de 10% nas pensões da CGA é feito apenas tendo em conta um de vários factores, que é a taxa de formação das pensões, deixando de fora todos os outros", explica Jorge Pereira da Silva, que assinala que aquilo que a Constituição prevê é a unicidade do sistema de pensões. "E unificar é mais do que fazer convergir regras diferentes, que se mantêm diferentes", afirma.

Estas duas objecções mostram uma parte daquilo que os juízes do tribunal consideram ser as condições para que se possa cortar nas pensões.

"Sendo necessário – e o tribunal não discute essa necessidade – alargar o 'ónus da insustentabilidade financeira do sistema' (...) aos actuais beneficiários, procedendo a reduções e recálculos de pensões já atribuídas, as soluções a equacionar não podem deixar de ser perspectivadas em termos do sistema público globalmente considerado, exigindo respostas que salvaguardem a justiça do mesmo sistema, tanto no plano intrageracional como no plano intergeracional", afirma o acórdão.

E quando o Tribunal Constitucional fala de "sistema público globalmente considerado", aquilo que está a acentuar é que uma reforma desta natureza, se tem realmente como objectivo a sustentabilidade do sistema, não pode ficar limitada ao sector público, tem de ser feita para a totalidade do sistema de pensões, incluindo o sector privado.

Jorge Pereira da Silva chega ainda a outra conclusão. "Pode ler-se no acórdão a ideia de que se pode reformar o sistema de forma a que os próprios beneficiários possam contribuir mais para financiar as suas e futuras pensões. Seria uma solução mais estrutural e de garantia da sustentabilidade do que meros cortes avulsos, como os que constavam da proposta", afirma. 

Este acréscimo das contribuições estava previsto, por exemplo, na medida que ficou conhecida como a "TSU dos pensionistas", que o CDS-PP classificou como uma fronteira que não poderia ultrapassar.

Por fim, o tribunal acaba ainda por defender que uma reforma que envolva corte de pensões em pagamento tem de ter um carácter gradual, não pode ser feita toda ao mesmo tempo. "Quando se afecta a confiança, deve-se suavizar a medida, não se deve fazer os cortes todos num só momento. As pessoas assim ficam sem margem para reagir", explica Jorge Pereira da Silva.

Esta condição é algo que, independentemente das outras exigências, só por si torna difícil que o Governo, pela via das pensões, consiga obter as poupanças que pretendia e prometeu à troika já para 2014.

 
 
 
 
 

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