Seychelles: sol em época de chuva, atum, crioulo e "moutia"

As Seychelles são uma mistura de Serra da Arrábida com a de Sintra, numa versão mais "tropicaliente"

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Férias no início de Dezembro. Que tal ir a casa saborear o espírito natalício, já que o destino me reservou uma consoada a curtir o bacalhau pelo Skype? É o terceiro ano que passo o Natal fora. Embora continue firme a rasgar caminho pelo ar, é um fardo que começa a pesar. Por essa mesma razão, mandei-o à... fava, não menosprezando tal data, mas porque se der ouvidos a todos os devaneios saudosistas, o mais certo é esta jornada perder o sentido.

Sofro mais quando vou a casa por uns dias do que quando embebo outra cultura por uma semana. Rumei às Seychelles: calor, areal imaculado, a imprevisibilidade dos dias de sol em época de chuva, o azul esmeralda dos mares mesclado por tranches de mar mais escuro, atum, crioulo e "moutia", a dança típica das Seychelles. Ficámos numa simpática Guest House, chamada Jamelah. A mãe da gerente havia casado com um árabe, daí o nome.

Natural das Seychelles, Flory foi hospedeira na Air Seychelles e partilhou aventuras de outra geração da aviação. Sendo uma companhia pequena, tinha poucas aeronaves, obrigando a uma grande rotatividade destas e a um esticanço laboral dos assistentes de bordo. Por essa razão, o b767-200 que a companhia adquiriu novo, recebeu um certificado da Boeing como sendo, na altura, o pássaro metálico com mais milhas na história da aviação.

As Seychelles foram uma surpresa; não esperava tanto traço familiar. São uma mistura de Serra da Arrábida com a de Sintra, numa versão mais "tropicaliente". De um lado, o mar transparente, abrilhantado pelo sol, sarapintado de rochas negras e arbustos, palmeiras destemidas nas margens e, do outro, muros com telhados tímidos a descoberto, troncos com copas imponentes, de onde brotava sombra e o ar de mistério que Sintra nos habituou.

Há que largar a faca e o alguidar do dramatismo da nossa história, encerrar ciclos saudosistas e deixar a vida entrar, dar-lhe mais uma chance e outra e outra. Nesta “época de descobrimentos”, partilhamos à distância, não compomos apenas canções de amigo dedicadas a um regresso incógnito. Perdi conta às vezes que, em modo irado, teci pensamentos de escárnio, ameaçando desistir e voltar para casa. O velhaco do Restelo que há em mim pergunta: “Já fizeste tudo a que te propuseste fazer?”.

Enquanto a resposta for não, continuarei a somar à minha vida, sem subtrair. Um bilhete de volta, outra jornada, quem sabe? “Não há quem aterre sem feridas”, mas também não há quem voe sem cicatrizes e bonito, bonito.. é “nascer sem asas e vê-las crescer”. Hoje e sempre, feliz Natal.

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