Só três das licenciaturas de que Crato desconfia foram chumbadas pela agência de acreditação

Cursos não acreditados são todos de instituições privadas, aos quais se juntam três mestrados de politécnicos públicos. Lei obriga a que formações nas universidades e escolas superiores sejam semelhantes.

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Entre os mais de 300 cursos das escolas superiores de Educação que passaram pelo crivo da Agência para a Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), apenas seis não puderam continuar abertos. Metade destes são licenciaturas, todas ministradas em instituições privadas. Apesar das dúvidas sobre a formação inicial de professores levantadas esta quarta-feira pelo ministro da Educação, Nuno Crato, o ensino superior tem tido bons resultados nos processos de apreciação liderados por organismo independente.

As seis não acreditações nos cursos que dão acesso à docência contrastam com o panorama nacional das formações superiores. Desde a criação da A3ES, há três anos, foram fechados por decisão da agência 114 cursos, pelo que as formações de professores representam pouco mais de 5% dos chumbos na oferta do ensino superior.

Os piores resultados nos cursos de Educação são os das instituições privadas, tendo sido ordenado o fecho de três licenciaturas – nas escolas superiores de Educação de Santa Maria da Feira, Torres Novas e Almeida Garrett, em Lisboa. Mesmo neste caso, a não acreditação representa uma percentagem pequena das mais de 100 avaliações feitas pela A3ES em politécnicos privados.

Nos institutos politécnicos públicos, todas as licenciaturas tiveram parecer positivo da agência, num universo de mais de 200 avaliações. Apenas três cursos não foram acreditados, todos eles de mestrado – Ensino Musical (Setúbal), Ensino do 1.º e 2.º Ciclo (Portalegre) e Educação Pré-escolar e 1.º Ciclo (Beja).

No rescaldo da prova de avaliação dos professores contratados realizada na quarta-feira, o ministro Nuno Crato tinha ido à RTP colocar reservas quanto ao modo como é feita a formação dos professores, mostrando desconfiança sobretudo em relação às escolas superiores de Educação, que estão integradas no sector politécnico. As declarações foram classificadas como “infelizes” pelo presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), Joaquim Mourato. “Fiquei muito admirado com o que ouvi, pois revela um grande desconhecimento do sistema de ensino superior e em especial das escolas superiores de Educação”, afirmou à agência Lusa.

Mourato considera também que o ministro coloca em causa o trabalho da A3ES, “uma agência que está em pleno funcionamento há alguns anos, que está integrada numa rede europeia e que merece toda a confiança”. Os números recolhidos pelo PÚBLICO mostram que a agência tem aprovado a esmagadora maioria dos cursos de que Nuno Crato desconfia. O presidente daquele organismo, Alberto Amaral, não quis comentar as declarações do ministro.

As críticas feitas ao ministro na sequência da entrevista levaram o seu gabinete a emitir um esclarecimento durante a manhã desta quinta-feira, afirmando que Crato “se referia ao conjunto do sistema de formação inicial de professores, que tem programas curriculares diversos, dizendo que há diferenças entre as diversas escolas de formação de professores, sejam universitárias sejam politécnicas”.

Na entrevista à RTP, Nuno Crato tinha dito que “há professores licenciados por universidades e há professores licenciados por escolas superiores de Educação”. Estes cursos “têm características diferentes e critérios de exigência muito diferentes”, afirmou, numa ideia que repetiu por mais duas vezes durante o telejornal da estação pública.

A avaliação da A3ES aos cursos de ensino das universidades públicas não difere dos resultados do sector politécnicos, uma vez que todos os cursos foram também aprovados. A diferenciação feita pelo governante “não faz sentido”, defende o presidente da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto, Paulo Pereira. Este responsável sustenta que os planos curriculares de cada um dos cursos têm de responder ao Regime Jurídico da Habilitação Profissional para a Docência, publicado em 2007 e são iguais quer estes funcionem em universidades, quier em politécnicos. “Temos de responder a uma série de obrigações ao nível da estrutura da formação e até do número de créditos”, ilustra.

“Não existem diferenças substanciais” entre os cursos de formação de professores das universidades e dos institutos politécnicos, concorda o presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, Almerindo Afonso. “Em alguns casos, até são melhores os cursos das escolas superiores”, diz. Por isso, este professor do Instituto de Educação da Universidade do Minho acusa o ministro de ter “interesse em dividir o ensino superior”, devido à sua postura de crítica das opções do MEC nos últimos anos.

A crítica é partilhada por Cristina Loureiro, da Associação de Reflexão e Intervenção na Política Educativa das Escolas Superiores de Educação (ARIPESE). “Por alguma razão, o ministro descuidou-se. Mas as afirmações são relevadores da sua política de destruição da educação pública”, aponta. “Desconfortável” com as declarações do governante por criarem um ambiente de desconfiança em relação à formação de professores, a dirigente da ARIPESE entende que “não chega” um esclarecimento de Nuno Crato: “Tem de vir a público dizer mais alguma coisa. O que ele disse nessa entrevista já ficou na cabeça das pessoas.”

Prova de avaliação de professores
Terão sido cerca de 5500 os professores que não realizaram a prova de avaliação de conhecimentos e capacidades (PACC) esta quarta-feira. Os números são do júri nacional da prova e são ainda provisórios, mas confirmam as estimativas feitas no próprio dia pela Federação Nacional dos Professores (Fenprof), correspondendo a cerca de 40% dos docentes contratados que estavam inscritos.

De acordo com os últimos dados apurados pelo júri, a que o PÚBLICO teve acesso, 27% dos 13.500 professores que deviam ter realizado a prova estavam inscritos em salas em que esta não se realizou, o que representa 3645 pessoas. Entre os restantes, 19% não terão comparecido à chamada, o que eleva o número um pouco acima dos 5500 professores que não realizaram o teste desta quarta-feira.

Este resultado aproxima-se da estimativa de 6000 docentes que não fizeram a prova avançada pela Fenprof durante o balanço da greve marcada para o dia da PACC e que tinha levado o sindicato a classificar a forma como esta decorreu como uma "tremenda derrota" do Ministério da Educação e Ciência (MEC), exigindo mesmo a demissão da equipa ministerial liderada por Nuno Crato.

 O MEC já anunciou que haverá uma segunda chamada para os professores que não puderam realizar a prova esta semana, que deverá acontecer durante o mês de Janeiro.
 
 
 
 

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