Desvinculação do AO90 – uma questão urgente e inadiável na AR, face ao recuo do Brasil

A bem da Língua Portuguesa escrita (e falada) em Portugal, do Estado de Direito e da Constituição, esperamos que a AR tome o rumo certo: pôr fim à imposição deste “pseudo-acordo”.

1. No dia 27-11, os representantes do grupo de trabalho técnico do Senado do Brasil, professores Ernâni Pimentel e Pasquale Cipro Neto, foram recebidos na Assembleia da República (AR), pelos deputados ex-membros de um “grupo de trabalho” sobre o AO (gravação disponível no site do Parlamento; ou clicando aqui).

As críticas ao AO90 foram contundentes e assertivas. A posição que deixaram expressa é muito clara e peremptória: o Brasil não quer o “velho” AO90 (com efeito, o AO90 não é “novo”: a maioria das suas 21 bases reproduz, com muito poucas alterações, o projecto de AO de 1975 e o AO86).

As respostas dos representantes do Senado desfizeram o discurso, “politicamente correcto”, de outros responsáveis brasileiros, segundo os quais o AO seria para continuar.

A deputada Gabriela Canavilhas (PS, ex-ministra da Cultura, ajuizando em causa própria), contra todas as evidências, optou pelo discurso de “avestruz”: o “processo político” estaria “fechado”. [A afirmação de que o Brasil teve “um período transitório superior” (1h05) é falsa: o Brasil teve nove anos ou, pelo menos, sete: o AO vinculou a partir 1-1-2007, embora com efeitos internos a partir de 1-1-2009; até 31/12/2015].

Ernâni Pimentel referiu que “a Academia Brasileira de Letras (…) é incompetente, tanto quanto a Academia das Ciências Portuguesa, para falar de ortografia” (1h32), sendo “duas Academias despreparadas” (1h34).

2. O Português do Brasil tem pouco a perder com o AO90, comparativamente à ortografia de Portugal.

Ainda assim, os governantes brasileiros demonstram ser mais zelosos e protectores do seu património cultural que é a vertente brasileira da Língua Portuguesa do que os governantes e negociadores portugueses do AO90 (estes últimos fizeram as propostas mais radicais, no AO86 e no AO90). Os responsáveis brasileiros demonstram ter mais dignidade e respeito pelo seu povo do que os mais altos responsáveis portugueses. Trata-se de uma lição de cidadania, de colocar a pessoa humana e o interesse nacional acima de quaisquer e não comprovadas razões políticas, económicas e de “prestígio”.

3. Vejamos a evolução nos últimos cinco anos e meio.

O 2.º Protocolo Modificativo do AO (2004) veio exigir apenas três ratificações, no universo de 7/8 estados, para que o AO90 entrasse em vigor na ordem jurídica internacional. Isto desfavorece o propalado fim de “unificação ortográfica”.

Foram pedidos pareceres a especialistas e instituições pelo Instituto Camões, em 2005. Esses pareceres foram negativos em relação à ratificação do 2.º Protocolo. Por isso, só revelados in extremis, antes da discussão na AR, por pressão de Zita Seabra, apenas em Abril de 2008 (alguns por iniciativa dos próprios autores).

O 2.º Protocolo foi aprovado pela AR em 2008 (com votos a favor de quase todos os grupos parlamentares – PS, PSD, BE, a maioria dos deputados do CDS). Foi uma decisão política sem qualquer fundamentação técnica, contrariando todos os pareceres mencionados.

A tramitação da “petição/manifesto (…)” foi intencionalmente prolongada – foi discutida em plenário passados 12 meses (não convinha aos obscuros interesses “acordistas” discuti-la mais cedo). As 113.000 assinaturas foram desprezadas.

O Governo do PS aprovou a Resolução do Conselho de Ministros (RCM) n.º 8/2011, de 25-1, que mandou “aplicar” o Acordo Ortográfico à administração pública (excepto a independente) e ao Diário da República a partir de 1-1-2012, bem como a todo o sistema de ensino, a partir de 9-2011, antecipando o final do prazo de transição em cinco anos.

Esta RCM e as suas normas padecem de inconstitucionalidades orgânicas, formais e materiais várias, evidentes para qualquer jurista (para mais desenvolvimentos, ver o nosso artigo, in revista O Direito (2013, I/II e III) (conclusões aqui).

O actual Governo prosseguiu a política anterior, sem qualquer fundamentação. Por conseguinte, o caos ortográfico começou em Portugal.

Um estudo de Rui Miguel Duarte, anexo à “Petição pela Desvinculação (…)”, demonstra que os instrumentos oficiais (Lince e VOP) violam o próprio tratado do AO90 (o mesmo sucede com todos os outros dicionários privados, sem excepção).

V.g., segundo o Vocabulário da Mudança do ILTEC, os lemas “acePção”, “adoPção”, “adoPtante”, “afeCtar”, “anti-infeCcioso”, não seriam utilizados em Portugal; seriam grafados sem as consoantes P e C (!!!).Trata-se de erros grosseiros, decorrentes de pretender transplantar uma cultura (a brasileira) para Portugal, criando uma “língua” artificial.

3.1. Os estudos de opinião asseveram que a maioria dos portugueses não quer o AO90.

O grupo “Em aCção contra o AO”, no Facebook, tem mais 37.000 membros. Pede-se às pessoas que estejam contra o AO que adiram a este espaço livre de partilha de ideias e de mobilização, de modo a exercerem o seu direito de resistência (art. 21.º da Constituição) contra normas inconstitucionais.

3.2. Na VIII Comissão, o relatório elaborado pelo deputado Michael Seufert, amplamente favorável à “Petição pela Desvinculação (…)” (v. n.º V), mereceu a aprovação por unanimidade pela VIII Comissão (incluindo votos dos dep. do PS, o partido político com uma agenda mais “acordista”, e do BE).

4. No próximo dia 20 de Dezembro, sexta-feira, pelas 10-11 horas, está agendada a discussão da referida petição em plenário na AR.

Será uma jornada de luta, em que esperamos encher as galerias e participar, de seguida, numa manifestação contra o AO nas ruas circundantes.

Convidamos a quem seja contra o AO a comparecer na AR e na manifestação.

4.1. Os partidos políticos devem tomar posição. A nosso ver, é imperioso que um deputado ou grupo parlamentar apresente uma iniciativa no sentido de revogar (ou, no mínimo, suspender) a vinculação de Portugal ao 2.º Protocolo Modificativo do AO. É tempo de acabar com o caos instalado.

A bem da Língua Portuguesa escrita (e falada) em Portugal, do Estado de Direito e da Constituição, esperamos que a AR tome o rumo certo: pôr fim à imposição deste “pseudo-acordo” e das suas variações terríficas que têm assolado o idioma português.

Citando Fernando Pessoa (Mensagem), “é a hora!

Jurista, representante dos peticionários da Petição pela Desvinculação de Portugal do Acordo Ortográfico de 1990

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