Bruxelas renuncia a seguir o rasto de animais clonados para não aborrecer os EUA

Os descendentes de animais clonados para fins alimentares humanos são uma realidade, em particular nos Estados Unidos, na Argentina, no Brasil e no Uruguai.

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De que animais vem exactamente a carne que comemos é a grande questão Fernando Veludo/NFactos

A Comissão Europeia propôs nesta quarta-feira a proibição da clonagem animal para fins alimentares, mas renunciou a banir a venda de carne e de leite de descendentes de animais clonados para não indispor os seus parceiros comerciais, nomeadamente os Estados Unidos.

“A Comissão propõe interditar a técnica da clonagem em animais de pecuária e a importação  de animais clonados para a União Europeia”, anunciou o comissário europeu da Saúde, Tonio Borg, durante uma conferência de imprensa. “Propomos interditar a técnica da clonagem para fins alimentares e a importação de animais clonados”, insistiu.

“Mas não propusemos a etiquetagem” para a carne fresca de bovinos descendentes de animais clonados, acrescentou Tonio Borg, dizendo que o assunto foi falado durante a reunião da Comissão Europeia. “Discutimos todas as possibilidades, incluindo a etiquetagem da carne fresca de bovinos descendentes de animais clonados, e considerámos que é preciso proceder a uma análise profundada.”

“Compete agora ao Conselho [de ministros da União Europeia] e ao Parlamento Europeu discutirem e lançarem o debate”, concluiu Tonio Borg. “O Parlamento Europeu vai-nos saltar em cima”, antecipa a Comissão Europeia, uma vez que a França e a Alemanha, defensores declarados do seguimento do rasto histórico dos produtos clonados, deverão passar ao contra-ataque.

“Os nossos pratos não devem tornar-se uma lixeira”
“Esta proposta é um insulto ao Parlamento Europeu e aos cidadãos que representa”, insurgiu-se, num comunicado, a eurodeputada ecologista francesa Sandrine Bélier, do grupo dos Verdes.

“A prontidão dos negociadores americanos e europeus em ver concluído o novo acordo transatlântico de livre comércio coloca em cima da mesa uma proposta que o Parlamento Europeu tinha claramente rejeitado. As negociações comerciais não devem ser um cavalo de Tróia para medidas não democráticas e contrárias aos valores da União Europeia”, acrescentou a eurodeputada ecologista.

“Os nossos pratos não devem tornar-se uma lixeira. Não abramos a caixa de Pandora da manipulação dos animais vivos”, advertiu, por sua vez, o eurodeputado ecologista francês José Bové, também do grupo dos Verdes. Este grupo decidiu batalhar no Parlamento Europeu contra esta proposta da Comissão Europeia.

Na União Europeia, a clonagem animal para fins alimentares só se pratica na Dinamarca. A carne dos clones não é comida, devido ao preço muito elevado dos exemplares. Mas os seus embriões e sémen são comercializados e exportados e os seus descendentes são criados, em particular, nos Estados Unidos, na Argentina, no Brasil e no Uruguai.

Todos os anos, a União Europeia importa entre 300.000 a 500.000 toneladas de carne de bovino dos Estados Unidos e da Argentina, países que autorizaram a clonagem para fins comerciais mas sem nenhum sistema que permita seguir o rasto dos animais.

A Comissão Europeia, o Parlamento Europeu e os governos falharam em entender-se, uma primeira vez, em 2011 sobre um enquadramento da questão. Após três anos de negociações infrutíferas, os Estados-membros consideraram exageradas as exigências dos eurodeputados relativas a um sistema de rastreabilidade.

O Parlamento Europeu exigia um sistema de rastreabilidade bastante avançado, para informar os consumidores de toda a carne oriunda de animais clonados remontando a várias gerações. Isto iria impor aos Estados Unidos e à Argentina controlos que eles não querem fazer, e a União Europeia seria obrigada a bloquear as importações, arriscando-se a uma nova guerra comercial semelhante à provocada pela proibição da carne com hormonas dos Estados Unidos. A União Europeia está a negociar com os Estados Unidos um acordo de livre comércio.
 
 
 
 

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