O presidencialismo

Rui Rio acabou de condenar o regime político em que vivemos. Condenou a justiça e os partidos (e, não se percebe porquê, foi omisso sobre as forças de segurança).

Os partidos, na opinião dele, que se estão dia a dia a “afunilar” trabalham para si próprios e não para o país. Para isto, Rui Rio propõe que eles se “abram” à sociedade, uma velha panaceia, sem qualquer espécie de sentido, e que se instituam eleições primárias para a escolha de candidatos. Não lhe ocorre aparentemente que eleições primárias iriam estabelecer o caos, com o cross vote da oposição no candidato mais fraco do outro lado. Mas sem estas fantasias, Rui Rio acha que não se conseguirá evitar uma “ditadura sem rosto”, uma pura “ausência de democracia”, nada parecida com o salazarismo, mas talvez como o salazarismo em estado larvar.

Os regimes parlamentares não têm dado muito bom resultado em Portugal e o ódio aos partidos, que hoje vai crescendo, não difere em essência do ódio aos partidos na última República espanhola, na França da III República e nos tempos que precederam o “28 de Maio”. Só que a pregação nessa altura, como agora, não representou qualquer espécie de reforma e levou tranquilamente ao Estado Novo cá em casa, a uma guerra civil em Espanha e a uma guerra civil em França. Rui Rio proclama que a presente crise “não é económica”, “é política”. Infelizmente, quando chega ao momento de oferecer soluções, ele, um político, não avança com mais do que ideia vagas, contraditórias (por exemplo a de que são necessárias mudanças na Constituição e a de que não são) e, em geral, uma crítica fluida e obscura às desgraças por que passamos.

Uma palavra nunca aparece na boca das notabilidades, de direita ou de esquerda, que se opõem a este governo, e essa palavra é muito simples: presidencialismo. Em 1976, o parlamentarismo constituía de facto um obstáculo à supremacia militar e a um pequeno régulo saído do exército com apoio dos restos da ditadura e de uma social-democracia branda e bem comportada.  Em 2003, não existe nenhum desses perigos de 76, que foram substituídos pelo fracasso dos partidos (que os portugueses quase universalmente desprezam ou detestam) e pela infindável série de erros que nos trouxe miséria. Um Presidente executivo apoiado por uma larga parte da população (embora sob a vigilância de uma Assembleia da República) estabeleceria quase com certeza a estabilidade institucional e legal que tanta gente pede – com Rui Rio à frente. Mas nesse ponto ninguém se atreve a tocar.
 
 
 
 
 
 

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