É quase isso: o amigo com mau "timing"

O amigo com mau "timing" é aquele que se despe num casamento em que está toda a tua família. É aquele que diz uma piada religiosa ao lado de um fundamentalista. É aquele que goza com um clube de futebol, no café, quando quinze membros da claque estão lá

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akeg/Flickr

O problema não é ter um amigo com mau "timing". Toda a gente tem um. O problema é… resolver esse problema. Não há solução, a não ser que queiras "matar" o teu amigo. É impossível: não por motivos emocionais, mas porque ele vai dizer alguma coisa que vai estragar o momento. E, no fim, ainda te vai pedir um favor.

O amigo com mau "timing" é aquele que se despe num casamento em que está toda a tua família. É aquele que diz uma piada religiosa ao lado de um fundamentalista. É aquele que goza com um clube de futebol, no café, quando quinze membros da claque estão lá.

Não o avises, porque ele vai responder: “E depois? Vão bater-me?!”.

É aquele que joga à bola na praia e chuta a bola em direcção ao castelo de areia que aquelas miúdas giras estão a construir. Toda uma tarde de contacto visual e estudos de abordagem vão pelo ar. O amigo com mau "timing" tentará minorar os estragos: dirá, de certeza, que o castelo nem estava grande coisa. Dentre todas as miúdas que podem devolver a bola, ele pede à mais forte.

Não o censures, que ele dirá, alto e a bom som, “O que foi? Até lhe faz bem!”.

O teu amigo é tão imprevisível que, se fosse o Hélder Postiga, marcaria golos. Se fosse o Jorge Jesus, ganharia alguma coisa. Se fosse o Paulo Portas… Seria o Paulo Portas.

Este tipo de amigo não pode ser portador de informação classificada sobre ti. Porque, um dia, ele vai iniciar, inadvertidamente, uma frase que te vai denunciar. Apesar de ter mau "timing", ele não é estúpido: o cérebro dele vai enviar um sinal de alarme. A frase não pode ser terminada.

Ele cala-se, tornando a situação ainda mais constrangedora. Toda a gente vai querer que ele termine a frase. Há um silêncio ensurdecedor. Um elefante entra na loja de porcelanas. Parte meia dúzia de coisas e decide sair. A caminho da porta, parte o resto.

O teu amigo inverte o sentido de marcha, junto a uma ravina. Começa a falar, desenfreadamente, de física de partículas. Queres apertar-lhe o pescoço, mas, de repente, ficas interessado em conhecer o Bosão de Higgs.

Passa para astrofísica. Pegas na pistola, mas acabas por não a usar: queres realmente saber o que acontece no cinturão de Orion.

Ele volta à tua história. Já não consegues fazer-lhe nada: o suspense é tanto que até tu queres saber como acaba.

Só há uma maneira de o teu amigo com mau "timing" não contar um segredo: não o saber.

O inverso de um gago

Ele é o inverso de um gago: o gago quer dizer e não consegue; ele diz sem querer. Ele era aquele que, na sala de aula, continuava a falar, quando toda a turma se calava. E, claro, nunca estava a dizer “adjectivo” ou “raiz quadrada”. Estava sempre a dizer coisas como “sexo” ou “mamas da prof”.

O amigo com mau "timing" tem sempre uma boa história para contar. Mas vai querer conta-la quando tiveres acabado de conhecer alguém, quando estiveres muito atarefado ou, simplesmente, quando não o quiseres ouvir. Em todos os estes casos, finge dar-lhe atenção. É a única maneira de o venceres. Não tens que ouvir, tens que agir que se estivesses a ouvir. Um pouco como no comício de encerramento da Festa do Avante: meia dúzia foi ouvir o discurso, o resto só está ali por causa da "ganza".

Apesar de todas estas contrariedades, ele vai continuar a pertencer ao teu grupo de amigos. Talvez o mau "timing" tenha sido teu, no dia em que o conheceste.

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