Tinder, para pessoas temporariamente sós

Olha para a tua esquerda. Olha para a tua direita: A passadeira do amor, o Tinder

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The Mindy Project

Destapo facilmente o meu conservadorismo em jantares de amigos mais "cool" e mais giros do que eu, quando me engasgo quando alguém fala da sua vida sexual, descomprometida de empreendedorimos românticos.

Há uns dias apresentaram-me a aplicação Tinder. Lá voltei a engolir em seco, corando de timidez pelo meu desconhecimento pré-histórico, esperando evitar mais uma boca sobre falso pudor, do meu amigo António, do alto do seu sarcasmo "hipster-intelectual". Ouvi a descrição milagrosa de um mecanismo que prometia encontrar a cara-metade com um simples deslizar de dedo sobre uma fotografia de perfil: "Não Gosto" para a esquerda, "Gosto" para a direita. E se for mútuo, tlim!, os utilizadores podem iniciar uma conversa no "chat" e deixar a magia acontecer.

Não sei se magia é o termo mais adequado, magia é talvez demasiado Austeniana quando falamos de online dating. Se estão à espera de Mr. Darcy é melhor esperarem sentadas, (ou deitadas), já que vão morrer solteiras. O Tinder é o oposto do conceito original do enamoramento. É superficial q.b., mas não mente: é feito na medida de uma geração.

Passemos à fase de experimentação, que isto de fazer bolos sem provar a massa não é a mesma coisa. Lá fiz o "download" da aplicação e — perdoem-me, perdoem-me gentes da minha terra (a aplicação permite procurar pessoas numa área de 160 km) — O que é que se passa??? O meu dedo cansou-se mais da esquerda do que o Rui Tavares. Bem sei que o meu snobismo me viria dar um pontapé debaixo da mesa mais cedo ou mais tarde, mas a verdade é que é mais fácil ser-se má com uma fotografia do que com uma pessoa.

A experiência correu mal para os dois lados. Imagino que a fotografia de uma rapariga a trincar um coração em forma de balão não agoire nada de bom..., portanto, em vez de um jantar à luz das velas, restam-me pizza congelada e algumas conclusões: Há poucas raparigas (há mais rapazes); a rapaziada gosta de aparecer desfocada, de estar na praia, a segurar uma cerveja, a fazer festas ao cão; todos parecem muito felizes; e deixamos o melhor para o fim: alguns aparecem com as namoradas ou com as amigas boazonas ('Ah, pois, eu não preciso disto, fiz "download" sem querer').

Como a folhear um catálogo

O mais assustador no Tinder é a incapacidade de empatia que se gera com uma simples imagem. Escolher uma pessoa como se estivéssemos a folhear um catálogo pode parecer apelativo e eficiente, mas o problema surge depois: tal como os móveis do Ikea, as instruções prometem uma coisa, mas sai outra. E daí o meu saudosismo pelos móveis antigos, que ganham valor sentimental com o tempo, duradouros mas nunca velhos. E daí a minha resistência à tecnologia, sem descurar as suas boas intenções....

Sean Rad, fundador e CEO do Tinder estava cheio delas, de boas intenções, é claro. Começou a pensar na aplicação como resposta aos seus próprios problemas: ritmo de trabalho complexo e dificuldade em conhecer pessoas novas depois dos tempos de faculdade. A ideia seria facilitar esta aproximação, que não sendo física poderia ter o mesmo efeito de uma primeira impressão, mas mais protegida do olhar de carne e osso. O conto de fadas não acaba aqui: o próprio Sean conheceu a sua princesa encantada no Tinder, lá deslizou o dedo para a direita e "tcham", temos correspondência e o resto são balões.

O Tinder, com 450 milhões de utilizadores até à data, advoca ter feito cerca de 100 milhões de uniões até hoje, que tipo de uniões são estas? Bom, isso já não interessa, pois não?

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