Fraudes à Segurança Social envolvem directores de IPSS, empresários e médicos

Documento enviado ao Governo pela PJ identifica 16 investigações. Informação desagregada sobre fraudes fiscais e na Saúde não foi divulgada ainda.

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Governo faz apelo à denúncia de casos Jose Fernandes

Pelo menos 16 investigações conduzidas pela Polícia Judiciária (PJ) relacionadas com fraudes na Segurança Social. Mais de 130 pessoas constituídas arguidas, 13 detenções e centenas de suspeitos — só num dos processos o número de suspeitos é de 180, entre "pessoas colectivas e individuais". É este o balanço feito num documento disponibilizado pelo Ministério da Justiça no dia em que Almeida Rodrigues, director da PJ, declarou, em Loures, que as fraudes na Segurança Social, Saúde e fisco atingiram mais de 100 milhões de euros no último ano.

De acordo com o documento preparado pela PJ e enviado ao Ministério da Justiça, estão a ser investigados directores e administradores de instituições particulares de solidariedade social (IPSS), médicos, empresas, funcionários da Segurança Social e particulares. Uma das investigações diz respeito à obtenção fraudulenta de subsídios para consultas de psicologia e terapia da fala que poderão nunca ter sido realizadas (numa fraude que poderá ultrapassar os cinco milhões de euros).

Noutro processo, poderão estar em causa crimes de corrupção relacionados com "reformas fraudulentas no âmbito das juntas médicas do Serviço de Verificação de Incapacidades da Segurança Social". Foi constituído arguido um médico. Tudo começou com uma denúncia anónima.

Alguns dos casos referidos no documento remetem, contudo, para investigações mais antigas — caso de um contabilista que "constituía empresas sem actividade ou com actividade reduzida" para, através de falsos contratos de trabalho e falsas declarações de remunerações, criar "prazos de garantia ou as condições legais para obter subsídios e/ou reformas" acima do valor a que as pessoas que o contratavam tinham direito. Em Junho de 2011, a organização foi desmantelada e oito pessoas detidas. Uma outra investigação, por motivos idênticos a esta, está em curso, com 180 suspeitos.

O documento da PJ compila um total de 16 "investigações sobre fraude à Segurança Social". Em muitos casos, falta contabilizar os montantes envolvidos, mas, somando aqueles em que é possível apurar valores, chega-se a 12,7 milhões de euros. Muito menos do que os 100 milhões referidos por Almeida Rodrigues à margem da sessão em Loures destinada a assinalar o Dia Internacional do Combate à Corrupção. Uma sessão onde ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, deu alguns exemplos de investigações conduzidas pela PJ com sucesso — todas na área da Segurança Social.

Contactado pelo PÚBLICO, o gabinete de imprensa do Ministério da Justiça faz saber que os dados dos montantes das fraudes alvo de investigação não estão ainda desagregados, pelo que não é possível saber para já como se distribuem os 100 milhões pelas três áreas nem enumerar, como a PJ fez para a Segurança Social, outras investigações, noutros sectores.

Subsídios a duplicar
Na sessão em Loures, Paula Teixeira da Cruz lembrou um caso relacionado com a concessão fraudulenta "de pensões, subsídios e abonos" no valor 1,7 milhões de euros. O documento preparado pela PJ dá detalhes. Diz-se que a investigação em causa "tem por objecto a concessão fraudulenta, pelo Centro Nacional de Pensões e Centro Distrital de Segurança Social de Lisboa, de reformas, de abonos a descendentes e de subsídios de desemprego, no âmbito da qual foi já desenvolvida uma operação, em Outubro de 2012, que implicou a realização de 25 buscas domiciliárias e não domiciliárias (incluindo aos serviços públicos em apreço) e quatro detenções". Pode estar em causa um valor superior a 1,7 milhões de euros.

Uma outra investigação centrou-se num homem que terá beneficiado durante mais do que uma década das pensões de reforma e de sobrevivência da mãe — o montante do prejuízo ao erário público não é divulgado.

O documento diz ainda que entre os arguidos há quatro médicos — num caso por emissão de parecer falso em junta médica; noutro, envolvendo três clínicos, investiga-se "alegadas práticas de corrupção" no âmbito da atribuição de reformas por invalidez, em sede de recurso, por uma equipa do Serviço de Verificação de Incapacidades da Segurança Social. Cerca de 60 testemunhas foram ouvidas e o inquérito já foi remetido ao Ministério Público com proposta de acusação.

Proposta idêntica foi feita num caso relacionado com "abuso de confiança contra a Segurança Social por uma sociedade ligada ao sector da construção civil". Apurou-se uma dívida ao Estado português no valor 658.510 euros.

Estão ainda a correr vários inquéritos relacionados com "obtenção fraudulenta de subsídios" e "que visam a gestão de instituições particulares de solidariedade social, pelos seus administradores/directores, pela prática de actos lesivos para a Segurança Social, nomeadamente na recepção de subsídios em montante superior àquele a que, em circunstâncias correctas, teriam direito". Não se referem montantes.

Outras IPSS estão a ser investigadas por "recebimento abusivo de subsídios concedidos no âmbito de acordos de cooperação com a Segurança Social".

Apelo à denúncia
É ainda referida uma investigação que envolve 95 arguidos que, através de contratos de trabalho e recibos de vencimento fictícios, obtinham subsídio de desemprego. "O valor envolvido é superior a 300 mil euros." Foram acusadas 93 pessoas pela prática dos crimes de associação criminosa, burla tributária e burla tributária à Segurança Social.

Recorda-se, por fim, o caso de um funcionário da Segurança Social detido no âmbito de uma investigação sobre "utilização abusiva de telefones com prejuízo superior a 500 mil euros".

Tanto a ministra como o director da PJ reconheceram que o combate à fraude não se deve confinar à PJ e às instituições do Estado. Paula Teixeira da Cruz deixou um apelo aos portugueses: "Penso que é um dever de cidadania denunciar fraudes, denunciar corrupção e outros crimes."

Em Julho, o ministro da Saúde, Paulo Macedo, tinha afirmado que o número de casos reportados sobre fraudes no Serviço Nacional de Saúde era já superior a 130 milhões de euros.

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