Alice e José estão a revelar o Porto das oficinas

Das carpintarias às alfaiatarias, o trabalho manual está vivo e recomenda-se, dizem os criadores do Roteiro Oficinal do Porto.

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Encontraram quem faça maquetas com um detalhe quase artístico porque o brio assim manda fazer. Descobriram quem opere verdadeiras missões impossíveis a reparar máquinas fotográficas e quem arranje guitarras com a precisão de um laboratório. Alice Bernardo, de 33 anos, e José Simões, de 38, quase que perdem a conta às oficinas que já visitaram desde há um ano. Têm uma missão: fazer o Roteiro Oficinal do Porto.

Das carpintarias às marcenarias, das tornearias às alfaiatarias, já foram a duas centenas de oficinas. “O objectivo final é cobrir tudo”, diz Alice. O projecto tem como objectivo reconstruir uma rede de contactos que se perdeu. Querem “mostrar todos”, mas, sobretudo, “quem faz melhor” uma determinada técnica ou produto, profissionais muitas vezes desconhecidos do público em geral.

Enquanto o roteiro não existe, vão publicando no site do projecto (www.roteirooficinaldoporto.com) as muitas histórias, fotos e vídeos que recolhem nas visitas às oficinas e empresas semi-industriais. Lá encontramos uma referência a Manuel Gaspar, que faz peças para maquetas e cujo sonho de criança era ter “uma oficina de tudo” “onde as pessoas pudessem vir para fazer coisas”.

Licenciada em Arquitectura, Alice Bernardo destaca os “pormenores” das peças que Manuel cria para as maquetas, próprios de quem é obcecado pela perfeição. É este perfil de profissional que mais a entusiasma, o mesmo perfil de Adriano, conhecido entre fotógrafos como “exímio” na reparação do equipamento fotográfico.

Estas histórias e o trabalho documental acabaram por fazer “derrapar” a data de conclusão do roteiro. Desistiram de marcar datas: “Chegas à conclusão de que aquelas informações, as fotografias e tudo o resto são muito valiosas.”

A somar a isso, Alice e José encontraram uma realidade mais vasta do que o que estavam à espera. Há oficinas que morrem, mas há outras que nascem, como a Lenho Lento, que faz móveis reaproveitando madeira de qualidade.

Há um novo interesse no trabalho oficinal ou semi-industrial, visível no número crescente de “empresas pequenas que produzem um produto de alta qualidade”, em áreas como o calçado. O estatuto destes profissionais está a melhorar, defende Alice.

“A nossa fase de consumo desenfreado acabou”, acredita. “As pessoas começaram a pensar: ‘Vou comprar menos, mas vou comprar muito melhor’”.

Chegar ao mercado
O Roteiro Oficinal do Porto é “filho” de outro projecto de Alice Bernardo, o Saber Fazer. Desde 2011 que Alice dedica-se a registar as técnicas artesanais e semi-industriais – do ciclo da lã, que aprendeu na garagem da D. Ilídia, em Bucos, Cabeceiras de Basto, ao couro.

Ganhou o gosto pelo registo no estágio que fez, ainda como candidata a arquitecta, numa obra de restauro. Documentou as técnicas usadas no restauro. A arquitectura ficaria pelo caminho: Alice apaixonou-se pelo trabalho feito à mão em Portugal.

Nas conversas com um oficineiro ou artesão, procura “aquele momento em os olhos brilham”, o momento em que o profissional lhe conta o que faz mesmo bem, aquilo que o distingue dos outros que operam na mesma área.

Os projectos Saber Fazer e Roteiro Oficinal do Porto vivem sem apoios e não dão lucro. Mas fornecem a Alice o conhecimento para suprir o que diz ser uma lacuna no mercado. Abriu uma empresa, O Ofício, que faz a ponte entre as necessidades dos clientes (os melhores cestos de vime, a melhor lã) e quem produz. Porque “como se faz é o que faz a diferença.”
 

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