Indústria do calçado quer vender “ainda mais caro” e recusa salários baixos

Sector apresentou estratégia até 2020 que aposta no design, na moda e na qualificação e recusa modelo de competitividade baseado nos baixos salários.

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Os desafios do calçado não demovem a confiança dos industriais Manuel Roberto

O plano estratégico que servirá de guia à indústria do calçado até 2020 reconhece que “Portugal exporta caro”, mas não esconde que “quer exportar calçado ainda mais caro”. Sem que seja referido explicitamente, o grande objectivo das empresas para o próximo ciclo é chegar mais perto da Itália na liderança pelo calçado mais caro do mundo.

No plano referem-se três pilares de actuação que privilegiam o valor e recusam um modelo de competitividade baseado nos baixos salários. Depois de os preços médios terem crescido cerca de 25% entre 2006 e 2012, colocando Portugal no segundo lugar do ranking internacional, a meta é agora o recorde italiano.

Um desafio difícil: a distância entre os preços italianos por par de calçado e os portugueses ronda os 35% (33,7 euros contra 22). Mas que os industriais encaram com naturalidade. “Tornámo-nos uma referência mundial do calçado”, diz Alberto Castro, do Centro de Estudos de Economia Aplicada da Universidade Católica do Porto, que realizou o plano, e agora o que é essencial “é consolidar a nossa posição e acelerar o passo”. Ou, como sublinhou Fortunato Frederico, presidente da APICCAPS, “os bons resultados do passado são garantia de sucesso no futuro”.

Depois dos ciclos de modernização tecnológica e da criação de marcas, a indústria preocupa-se agora em acentuar a sua vocação para o design e para a produção destinada aos segmentos de luxo. Os riscos da conjuntura económica recomendam cautela, pelo que o essencial, nos próximos anos, será lutar pela subida do valor do calçado, actuar sobre a “organização” das empresas e reforçar as suas relações. “Uma estratégia pode-se copiar, uma organização não é replicável”, justifica Alberto Castro.

O rumo passará então por um “modelo de negócio” que, no seu conjunto, “tem que se pautar pela sofisticação e criatividade”. Para se chegar a esse estádio, a indústria vai investir na atracção de jovens qualificados, na formação para a gestão de topo e eleger o design “como factor diferenciador”, apostando num programa de estágios internacionais para jovens designers. Essa base, acreditam os promotores do estudo e as empresas, permitirá inovar na procura de novos materiais, no design e na criação de soluções para bens e equipamentos. O terceiro pilar da estratégia insiste numa aposta na internacionalização que dará continuidade às campanhas levadas a cabo nos últimos anos.

Ainda que o sector respire saúde e confiança, o plano não deixa de introduzir no discurso uma série de riscos e de ameaças nos próximos sete anos. Em primeiro lugar, as perspectivas da economia europeia, para onde se destinam 95% das exportações, não são animadoras. Depois, a disponibilidade e o preço das matérias-primas, questões que “têm surgido já entre as principais preocupações das empresas”, podem agravar-se.

Mas a principal dor de cabeça está na queda da procura do calçado de couro nos mercados mundiais (em valor passou de 62% do total em 2001 para 50% em 2011), tendência que pode afectar, a prazo, a indústria nacional, cuja facturação depende em 74% deste material. Para os industriais, “a possibilidade de alguma evolução tecnológica disruptiva no domínio dos materiais para calçado” tornou-se um pesadelo. A estratégia para os próximos anos contempla o investimento em ciência destinada a encontrar materiais para o futuro.

Os desafios do calçado não demovem, no entanto, a confiança dos industriais. Eles dizem e repetem que “os concorrentes do calçado português não estão parados”. E sabem que “se a indústria portuguesa quiser ser bem-sucedida, tem que continuar a trabalhar, continuar a investir e evoluir mais do que as outras”. Ou, como dizia Alberto Castro, “há que dar corda aos sapatos”.

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