Apostas em linha e match-fixing

1. Neste jornal dedicou-se esta semana especial atenção a mais um caso de viciação de resultados relacionado com apostas desportivas: “É o maior escândalo das últimas décadas relacionado com corrupção desportiva em Inglaterra. A polícia britânica deteve seis pessoas e acusou duas delas, por envolvimento numa rede de manipulação de resultados de jogos de futebol, com vista a ganhar dinheiro em apostas.” O trabalho de Hugo Daniel Sousa dava ainda conta que, em Fevereiro deste ano, investigadores da Europol identificaram mais de 380 jogos de futebol manipulados na Europa, incluindo dois encontros da Liga dos Campeões e partidas de qualificação para o Europeu e o Mundial, bem como “jogos de topo nas Ligas europeias".

2. E por cá? Comecemos pelas apostas em linha. Demos aqui conta da “novidade orçamental”, proposta pelo Governo, que no já célebre artigo 230.º da proposta de Orçamento 2014 parecia abrir as portas à regulação de um mercado aberto, com o fim do monopólio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Eis se não quando, os líderes parlamentares da maioria apresentaram um novo - extenso e pormenorizado - artigo 230.º que, no que respeita às apostas desportivas em linha, deixava bem claro, na nossa leitura, que já não haveria regulação desse mercado mas, antes pelo contrário, que a exploração pertenceria em exclusivo à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Terceiro momento desta trágico-comédia política: esta proposta foi retirada. Quarto momento: sabe-se lá o que a lei do orçamento de Estado dirá agora, ou se mesmo terá um artigo 230.º com algo a dizer sobre esta matéria. Talvez para o ano, anunciam alguns. Valerá, pois, entretanto, a máxima de Marcelo Rebelo de Sousa: sim é proibido, mas aposta-se; mas ninguém é sancionado.

3. É evidente que a regulação do mercado das apostas em linha não colocará um ponto final na viciação de resultados tendo por finalidade a obtenção de ganhos nas apostas que incidem sobre os mais variados aspectos de um jogo de futebol. Mas deve ajudar, digo eu. Por outro lado, a adulteração de resultados, vista pelas regras disciplinares da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP), é encarada como uma espécie de corrupção agravada pela finalidade: a viciação de apostas. Será correcta esta construção? Certo é que as sanções disciplinares existentes divergem entre a FPF e a LPFP. Ora, neste domínio – outros haverá por certo – impõe-se uma uniformização em nome da eficácia da resposta punitiva. Mas, acima de tudo, impõe-se uma leitura estratégica comum, alargada aos poderes públicos, perante uma das mais fortes ameaças que a integridade do desporto vive no momento actual (e futuro). Não é por acaso que se multiplicam por toda a Europa as iniciativas que visam analisar e encontrar respostas concertadas e eficazes, conjugando esforços das organizações desportivas internacionais e dos poderes públicos. No Conselho da Europa, por exemplo, ganha espaço a proposta de se alcançar uma convenção internacional sobre a matéria.

4. Portugal é um país atrasado, onde tudo parece chegar mais tarde, quer o bom, quer o mau. Ser atrasado pode ter as suas vantagens. Um ex-cunhado meu era sempre o último a chegar à bilheteira do metropolitano. Ao chegar, o bilhete dele já estava pago por alguém. No que respeita ao match-fixing muito já se encontra analisado (e identificado) e outro tanto já existe ao nível de algumas medidas concretas (por exemplo, a criação de códigos de condutas para os jogadores e outros agentes desportivos). Só temos que chegar à bilheteira e levantar o bilhete. O que não podemos é perder o comboio. josemeirim@gmail.com

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