Alterações na formação inicial de professores indignam politécnicos e universidades

Se o ministro da Educação levar a sua avante, no próximo ano lectivo os cursos que habilitam para a docência já serão organizados de acordo com novas regras, mas não com o acordo da generalidade da comunidade educativa, que critica a pressa e considera a alteração precipitada.

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O ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, quer ver aplicado já no próximo ano lectivo um novo regime jurídico dos cursos de formação para a docência que, para além de alterar os currículos, modifica o sistema de acesso aos dois ciclos de estudos. A proposta e a forma como esta foi apresentada, contudo, apanharam de surpresa os responsáveis pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior e especialistas dos institutos politécnicos e das universidades públicas, que criticam a pressa do ministro e consideram a alteração legal “extemporânea”, “precipitada” ou mesmo “atabalhoada”.

“O ministro já se tinha referido à necessidade de alterar o diploma que regula a formação inicial de professores, mas ninguém calculou que pudesse fazê-lo sem ter em conta o processo de avaliação e de acreditação de cursos que estava a decorrer e, muito menos, sem permitir uma discussão efectiva”, sublinhou esta sexta-feira, em declarações ao PÚBLICO, o presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), Joaquim Mourato.

Alberto Amaral, que dirige a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), não se mostra menos “perplexo” com o facto de apenas ter tido conhecimento da proposta “há uns dias”. Diz não encontrar “qualquer justificação para alterar desta forma apressada  e precipitada um regime recente, de 2007, e no âmbito do qual foram organizados, avaliados a acreditados cerca de cem cursos de formação para a docência”. “Já notifiquei as instituições de que o processo relativo aos restantes cem, que estava a decorrer, se encontra suspenso. Chega de desperdiçar meios e trabalho”, comentou esta sexta Alberto Amaral.      

Algumas das novidades contidas no documento e na portaria anexa já tinham sido tornadas públicas. Há algumas semanas, Nuno Crato revelou que os candidatos aos cursos de formação em educação básica passarão a ter como provas de ingresso os exames nacionais de Matemática e de Português, no final do ensino secundário. Esta quinta-feira, no final da reunião do Conselho de Ministros, reiterou a sua convicção de que é necessário reforçar a formação dos futuros professores nas áreas científicas que vão leccionar: “Para um professor de Português, são necessárias mais horas de formação em Português, para um professor de Geografia são necessárias mais horas de formação em Geografia, e por aí adiante”, exemplificou.

João Pedro da Ponte e José Augusto Simões, coordenadores dos Institutos de Educação da Universidade de Lisboa e da do Minho, respectivamente, frisam que nem todas as alterações são criticáveis. Não contestam, por exemplo, o aumento da duração de alguns ciclos de estudos e o reforço das áreas científicas. Mas ambos criticam a desvalorização das componentes didáctica e de investigação, por exemplo.

Contestam outros aspectos, como a insistência com que em vários pontos do diploma se refere a necessidade de ajustar a oferta de vagas no mestrado às necessidades do sistema, o que também é criticado por Joaquim Mourato. “Como é que o MEC mede a necessidade de sociólogos? Por quê impedir que alguém faça formação para a docência? Esta restrição não faz sentido”, comenta João Pedro da Ponte, referindo-se facto de o diploma prever que as vagas no mestrado serão fixadas com base “nas orientações gerais estabelecidas pelo ministro da tutela”, tendo em consideração “as necessidades do sistema educativo, a racionalização da oferta formativa e a política nacional de recursos humanos”.

Proposta extemporânea
O mais condenável, consideram, no entanto, os dois especialistas em Educação “é a forma como a proposta surge”. “Resolve uns problemas, deixa outros por resolver e cria mais alguns — fazer isto agora por quê? A proposta é absolutamente extemporânea”, considera José Augusto Simões. João Pedro da Ponte é mais duro e não hesita no uso do termo “atabalhoada” para classificar a proposta de diploma. “Depressa e bem não há quem”, afirma, repetindo um ditado usado no mesmo contexto por Joaquim Mourato e José Augusto Simões.

Preocupa também os dois especialistas em Educação, o presidente do CCISP e o coordenador da A3ES o facto de, alegadamente, o ministro não ter em conta, normalmente, os contributos. “Termos de produzir um parecer numa matéria tão importante e sensível em meia dúzia de dias é grave. Fazê-lo sabendo, por experiência, que ouvir-nos é uma mera formalidade é muito frustrante”, comentou Mourato. O presidente do Instituto de Educação do Minho recorda como o ministro ignorou a contestação generalizada ao fim da disciplina de formação cívica, no ensino básico: “A unanimidade não podia ser maior e Nuno Crato não ouviu ninguém. Não há-de ser diferente agora, temo”.

Da mesma forma, todos garantem que é uma impossibilidade prática organizar, validar e acreditar os novos cursos em seis meses. Mas nenhum assegura que isso não venha a ser exigido pelo ministro. Na proposta é explícito que “a partir de 2014

2015, inclusive, só podem ter lugar novas admissões de estudantes em ciclos organizados de acordo” com aquele documento legal. “As instituições devem remeter à A3ES, até 60 dias úteis após a entrada em vigor do presente diploma, os pedidos de acreditação dos ciclos de estudos que pretendam colocar em funcionamento em 2014/2015”, pode ler-se, também.

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