Desde 2010 que Portugal está a investir menos em ciência

Despesas com investigação e desenvolvimento valiam 1,5% do PIB em 2011, o mesmo que em 2008. Esta tendência de descida atinge transversalmente Estado, ensino superior e empresas.

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Fonte: Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência
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Depois de quase uma década de crescimento contínuo do investimento do país em ciência, o ciclo inverteu-se. O Estado e as empresas estão a gastar menos com investigação e desenvolvimento (I&D) fazendo recuar o total de despesas a níveis de há cinco anos, o que se explica pelo contexto de dificuldades financeiras atravessado pelo país. O Governo garante que tem feito um esforço para contrariar a tendência.

Os números são do Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional (IPCTN), publicado no mês passado, e dizem respeito a 2011, ano em que o actual Governo de Passos Coelho entrou em funções, depois de ter sido eleito em Junho. De acordo com o documento, a despesa total em I&D registada nesse período ascendia a 2606 milhões de euros, o que representa uma quebra de 140 milhões face ao ano anterior.

A conjuntura económica adversa ajuda a explicar esta redução das despesas com a investigação, que é transversal aos vários sectores, sejam públicos ou privados. As empresas são aquelas em que o corte é mais substancial (quase menos 100 milhões de euros em 2011 do que em 2009), mas também o Estado (menos oito milhões em três anos) e as instituições de ensino superior (redução de 23 milhões em igual período) estão a gastar menos. Este facto leva a que o valor absoluto do dinheiro gasto em ciência em 2011 seja o mais baixo desde 2008.

O ciclo de crescimento do investimento em ciência já se tinha invertido de 2009 para 2010, quando foi registada uma quebra de 20 milhões de euros na despesa total com o sector. A redução só não foi mais nítida nessa altura porque o ensino superior aumentou ligeiramente a sua despesa em um milhão de euros, compensando as quebras verificadas na ciência pela parte do Estado, das empresas e instituições sem fins lucrativos.

Ainda assim, as empresas são as que executam a maior parte da despesa com I&D (47%), cabendo ao ensino superior 38%. Além disso, os serviços da administração central representam ainda 7%, enquanto os restantes 8% são realizados por instituições privadas sem fins lucrativos (a maioria das quais na órbita das instituições de ensino superior).

Apesar desta quebra, os empregos gerados pelo sector científico não têm parado de aumentar. Segundo o IPCTN, o número de investigadores contratados passou de cerca de 28 mil, em 2007, para mais de 50 mil, em 2011. Os cientistas passam, deste modo, a representar 9,1 por mil da população activa.

Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) defende que tem tentado contrariar esta tendência. Nos últimos dois anos, houve um aumento do financiamento injectado no sistema científico e tecnológico, algo que o ministro Nuno Crato já tinha sublinhado na recente audição parlamentar a propósito do Orçamento do Estado para o próximo ano. A execução orçamental para 2011 da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) foi de 410 milhões registados, estimando-se que, até ao final deste ano, ultrapasse este valor em seis milhões.

O contexto económico adverso é “claramente a principal razão” que explica estes resultados, avalia o director da escola de Economia na Universidade Católica, Francisco Veloso. “Numa situação de contenção económica, é natural que isso se reflicta em vários domínios e o investimento em I&D não é excepção”, sustenta. Essa tendência será mais sentida em países com maiores dificuldades, como Portugal, Espanha e a Grécia. A União Europeia mantém, porém, o objectivo de chegar aos 3% do PIB alocados à I&D em 2020, cerca de um ponto percentual a mais do que o registado actualmente. O IPCTN mostra que Portugal se afastou da convergência que vinha conseguindo realizar nos últimos anos.

Em 2012, será 1,4% do PIB?
Em 2011, a ciência passou a representar 1,52% do Produto Interno Bruto (PIB). Este número tinha crescido consecutivamente desde 2003 (quando valia 0,71% do PIB) até 2009. Neste último ano, o resultado provisório então divulgado apontava para um peso da investigação e desenvolvimento de 1,71% do PIB, mas que agora aparece corrigido em baixa (1,64%). A partir de então, ainda no anterior Governo de José Sócrates, com Mariano Gago como ministro da Ciência, o ciclo de crescimento quebrou-se.

A quebra no investimento no sector pode não ter ficado por aqui. Os resultados do próximo IPCTN, respeitantes a 2012, só começam a ser divulgados no final deste ano, mas os números conhecidos até agora permitem antecipar que o peso da investigação no PIB tenha recuado ainda mais. “É expectável que esteja à volta de 1,4%”, afirma o físico Carlos Fiolhais, o que é motivo de “preocupação” para este cientista da Universidade de Coimbra.

Estes dados serviram de lançamento à conferência Ciência, Economia e Crise, que a Fundação Francisco Manuel dos Santos promoveu na última sexta-feira na reitoria da Universidade do Porto e que foi coordenada por Carlos Fiolhais. O objectivo foi o de “promover uma discussão em torno do tema”, que aquela instituição quer manter nos próximos meses. Por isso, está a preparar um contributo que vai entregar ao Governo, aos partidos políticos com assentos parlamentares e a vários protagonistas do sistema científico sobre o futuro do sistema científico português.

A apreensão de Carlos Fiolhais estende-se também às novas regras de financiamento da FCT, que vai destinar o dinheiro apenas para centros de investigação classificados como “muito bons” ou “excelentes”. A medida “pode ser um desastre”, alerta. “Seria como apoiar apenas os atletas de alta competição, sem apoio o desporto. Isso mata o desporto.”
 
 
Notícia corrigida às 12h35 de 28/11/2013: os cientistas passam a representar 9,1 por mil da população activa, e não 9,1% da população activa.
 
 
 

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