TC valida interpretação do Governo, mas sindicatos prometem combater 40 horas no Estado

Tribunal Constitucional entende, em linha com a posição do Governo, que podem ser negociados horários inferiores a 40 horas semanais na função pública.

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Joaquim Sousa Ribeiro, presidente do Tribunal Constitucional Enric Vives-Rubio

A possibilidade de, no futuro, se negociarem horários inferiores a 40 horas na função pública foi a principal questão que dividiu os juízes do Tribunal Constitucional no acórdão que viabilizou o diploma do tempo de trabalho no Estado, divulgado na noite de segunda-feira. Acabou por vingar a interpretação de que o regime das 40 horas é imperativo em relação ao passado, mas não impede que, no futuro, se negoceiem horários semanais inferiores. Um entendimento em linha com a interpretação defendida pelo Governo e que esvazia os argumentos de que os funcionários do Estado ficavam em piores condições do que os do privado.

Em resposta a esta interpretação do Tribunal Constitucional (TC), os sindicatos da UGT anunciaram na segunda-feira que vão “invadir” os serviços e autarquias com propostas de acordos para reduzirem o horário semanal. Mas, do outro lado, poderão encontrar um muro de silêncio até que a lei geral do trabalho em funções públicas, que prevê novas regras para a contratação colectiva no Estado, seja publicada e entre em vigor.

A questão foi colocada pelo Partido Socialista no pedido de fiscalização sucessiva que fez ao TC, considerando que a conjugação do artigo que aumenta o tempo de trabalho para as oito horas diárias e 40 semanais com o artigo que determina que esse aumento é imperativo, proíbe a negociação de horários inferiores. É isso que se conclui da leitura da lei, mas o TC (sete, o presidente Joaquim de Sousa Ribeiro votou vencido, em 13 juízes) entendeu que se trata de “uma solução destinada a garantir a eficácia imediata da alteração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas e que todos estes trabalhadores fiquem colocados numa situação inicial de igualdade, a partir da qual, futuramente, se poderão estabelecer as diferenciações que, em função dos diferentes sectores de actividade (…), sejam consideradas convenientes”.

Para os juízes do Palácio Ratton, o elemento literal não deve ser o único a considerar e deve presumir-se “que o legislador democraticamente legitimado não quis afrontar a Constituição”, lê-se no acórdão redigido pelo conselheiro Pedro Machete.

O TC veio resolver um problema que o Governo já tinha explicitado na proposta de lei geral do trabalho, aprovada na generalidade pelo Parlamento e em apreciação pública, que irá substituir o diploma das 40 horas. Esta lei aplica à função pública o Código do Trabalho na parte em que prevê que “o período normal de trabalho pode ser reduzido por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, não podendo daí resultar diminuição da retribuição dos trabalhadores”.

O TC entendeu também que a lei das 40 horas não viola a proibição do retrocesso social, como alegavam o PCP, Bloco de Esquerda e PEV, no pedido de fiscalização sucessiva. Também a violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade foi afastada por considerar que não existem diferenças de tratamento entre os trabalhadores do sector público e privado.

A violação do direito à retribuição acaba por não se verificar no entender do TC. “Não se ignora que o aumento do período normal de trabalho diário poderá originar despesas adicionais para os trabalhadores, mas, em todo o acaso, há que ter presente que o grande prejuízo (…) é de tempo: tempo disponível para si mesmos, para as suas famílias e para o exercício de um conjunto de direitos fundamentais consagrados na Constituição.” A “perda salarial real limita-se” à remuneração do trabalho suplementar e o TC, em linha com acórdãos anteriores, entende que isso não levanta problemas de constitucionalidade.

O TC afasta ainda a violação do princípio da protecção da confiança, invocado em Agosto quando chumbou o diploma da requalificação. O TC não ignora “a intensidade do sacrifício causado aos trabalhadores em funções públicas” pelo aumento do tempo de trabalho das 35 para as 40 horas, mas considera que os interesses públicos que a medida visa salvaguardar têm “um grande peso valorativo”, nomeadamente a contenção da despesa pública prevista no relatório da sétima avaliação da troika.

Sindicatos não baixam os braços
Esta decisão do TC não impede que os inúmeros processos interpostos pelos sindicatos da função pública, da Educação, Saúde, Justiça, autarquias, para evitar a aplicação das 40 horas de trabalho, continuem o seu curso. “Como é uma decisão de não inconstitucionalidade, os processos que estavam a decorrer mantêm-se. Esta decisão não tem efeito de caso julgado, pelo que os tribunais continuarão livres de interpretar a lei como entenderem”, precisou ao PÚBLICO Jorge Pereira da Silva, professor de Direito Constitucional da Católica.

A decisão “não invalida que em qualquer processo o tribunal declare a norma inconstitucional”, adianta por seu turno o advogado Paulo Veiga e Moura, mas na prática “dificilmente um juiz de primeira instância dirá que a norma é inconstitucional quando o TC vem dizer que não é”.

Já o constitucionalista Jorge Miranda considera que as providências cautelares entregues por diversas organizações sindicais nos tribunais "deixam de ter sentido" face à decisão do TC. "A decisão do Tribunal Constitucional elimina a questão", afirmou à Lusa.

Nos tribunais ou fora deles, os sindicatos da UGT e da CGTP prometem não baixar os braços. A Frente Sindical para a Administração Pública (Fesap) fez um comunicado dando indicação a todos os seus sindicatos para que enviem propostas de acordo colectivo para todos os organismos e serviços da administração pública e para as autarquias, “de modo a que, por via da negociação colectiva, se possam restabelecer as condições de horário anteriormente vigentes”. Também o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado garante que “tudo fará para que, em sede de contratação colectiva, seja possível a redução do período de trabalho”.

"É com greves com certeza que se vai fazer a luta dos horários de trabalho, isso não tenho dúvidas. Os trabalhadores não se vão conformar com decisões desta natureza", afirmou por seu turno Ana Avoila, dirigente da Frente Comum (CGTP). Também a Federação Nacional dos Professores garante que continuará a lutar contra a aplicação das 40 horas de trabalho aos docentes, alegando que esta medida põe em risco dez mil postos de trabalho.

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