Primeiro livro impresso nos Estados Unidos vendido por mais de dez milhões de euros

Só sobreviveram 11 exemplares do livro de salmos publicado em 1640 pelos líderes puritanos da colónia inglesa da baía de Massachusetts. Um deles foi agora vendido por uma congregação protestante de Boston e atingiu o valor mais alto alguma vez pago em leilão por um livro impresso.

Bay Psalm Book bateu o recorde do livro mais caro alguma vez vendido em leilão
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Bay Psalm Book bateu o recorde do livro mais caro alguma vez vendido em leilão AFP
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Momento do leilão que aconteceu esta terça-feira AFP
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Um pequeno livro de salmos publicado em 1640, e que se crê ter sido o primeiro livro impresso no território do que vieram a ser os Estados Unidos, foi arrematado esta terça-feira por 14 milhões e 165 mil dólares (um pouco mais de 10,3 milhões de euros) num leilão promovido pela Sotheby’s em Nova Iorque.

O livro, conhecido como Bay Psalm Book, foi impresso pela comunidade puritana da colónia britânica da baía de Massachusetts, mais precisamente na então recém-fundada povoação de Cambridge, apenas vinte anos após o desembarque em Plymouth dos pioneiros do Mayflower, a quem os americanos chamam “pilgrims” (peregrinos).

Dos exemplares impressos em 1640, só restam onze, em variáveis condições de conservação e completude, e há mais de meio século que nenhum deles ia à praça. A Sotheby’s estimava que o leilão, que se resumia a este lote, rendesse entre 15 e 30 milhões de dólares, mas o preço final acabou por ficar ligeiramente abaixo da previsão mínima. O livro foi comprado pelo capitalista e filantropo americano David Rubenstein, fundador do grupo empresarial Carlyle, que afirmou ter a intenção de o emprestar a bibliotecas de todo o país.

O preço que Rubinstein pagou foi o suficiente para que este livro de salmos tenha batido o recorde do livro mais caro alguma vez vendido em leilão, ultrapassando os 11,54 milhões de dólares atingidos em 2010 (corresponderiam hoje a cerca de 12,4 milhões) por um exemplar de The Birds of America, de John James Audubon.  Exemplares dos Canterbury Tales de Chaucer, ou da primeira compilação das peças de Shakespeare, editada em 1623, atingiram igualmente cotações elevadas, mas inferiores a dez milhões de dólares.

E só não se pode dizer que o volume agora leiloado pela Sotheby’s é o livro mais caro do mundo se alargarmos o conceito aos manuscritos e incluirmos o chamado Codex de Leicester, ou Códice Hammer, uma compilação de textos e desenhos de Leonardo da Vinci que rendeu mais de 30 milhões de dólares num leilão promovido pela Christie’s em 1994.

Uma empresa puritana
Publicar um livro em 1640 no meio de um território pouco menos do que selvagem implicava um esforço considerável. Mas os líderes puritanos estavam determinados em oferecer à comunidade uma versão fielmente traduzida do hebraico do Livro dos Salmos, que os fiéis pudessem usar na missa. Não por acaso, o título completo desta edição de 1640 é
The Whole Booke of Psalmes Faithfully Translated into English Metre. A realização de traduções métricas de textos do Livro dos Salmos, destinadas a serem cantadas nas igrejas, foi uma operação característica da reforma protestante, e em particular da facção calvinista.

E os puritanos também achavam melhor não correr o risco de adequar a ordem das palavras à sintaxe inglesa. O director do departamento de livros da Sotheby’s, David Redden, deu um pequeno exemplo ao apresentar a obra a leilão, recitando o  conhecido início do salmo 23 [O Senhor é o meu pastor] tal como aparece no volume de 1640: “The Lord to mee a shepheard is”, em vez do actual “The Lord is my shepherd”.

Para imprimir o livro, os colonos mandaram vir uma prensa de Londres, que foi embarcada juntamente com 108 quilos de papel e uma caixa de tipos.

Os especialistas estimam que este material tenha chegado para imprimir 1700 exemplares, mas só 11 chegaram aos nossos dias. E até Rubinstein ter adquirido este exemplar – a licitação iniciou-se às 19h em Nova Iorque (meia-noite em Portugal) –, nenhum deles estava nas mãos de um particular.

O exemplar leiloado pertencia à Old South Church de Boston, uma congregação que remonta a 1669 – Benjamin Franklin recebeu o baptismo nesta igreja – e que chegou a possuir cinco dos onze exemplares existentes do chamado Bay Psalm Book. Um deles está hoje na Biblioteca do Congresso, outro na Universidade de Yale, em New Haven, e um terceiro na Universidade Brown, em Providence.  O quarto mantém-se na Old South Church, que conservava ainda dois exemplares. Mesmo assim, a reverenda Nancy Taylor, que dirige actualmente a igreja e tomou a decisão de vender o livro de salmos, foi duramente criticada por vários fiéis.

Na verdade, quem sentirá mais imediatamente a falta do livro será o Museum of Fine Arts de Boston, no qual ambos os exemplares estavam depositados há mais de um século, a título de empréstimo.

Os outros seis exemplares
Tal como os restantes exemplares que passaram pelas mãos da Old South Church, o voulume agora comprado por Rubinbstein pertenceu ao reverendo Thomas Prince, que o deixou em testamento, datado de 2 de Outubro de 1758, à igreja de Boston. O exemplar hoje conservado na Biblioteca do Congresso tem a mesma origem, mas distingue-se pelo facto de ter pertencido originalmente a um dos tradutores da obra, Richard Mather, que deixou a sua assinatura em várias páginas do livro.

Dos restantes seis exemplares que se conhecem, um está conservado na Biblioteca Pública de Nova Iorque, outro na Biblioteca Huntington, na California, outro ainda pertence à American Antiquarian Society, e um quarto está na Rosenbach Library & Museum, em Filadélfia. Este último só foi descoberto no início do século XX, na Irlanda, onde foi comprado pelo antiquário Philip Rosenbach.

Neste momento, há só um exemplar fora dos Estados Unidos, conservado na Biblioteca Bodleian da Universidade de Oxford, no Reino Unido.  E resta apenas referir um último exemplar, do qual se pode dizer que está em casa, uma vez que se mantém em Cambridge, onde a obra foi impressa em 1640. Está, mais precisamente, na biblioteca da Universidade de Harvard, à qual foi oferecida por um ex-aluno da instituição em 1764, possivelmente para substituir um anterior exemplar que teria sido destruído pelo incêndio que assolou a biblioteca da universidade em Janeiro desse mesmo ano.

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