Os professores estão à espera dos tribunais?

Os protestos que inundam as redes sociais contra a prova de avaliação para docentes não têm a expressão correspondente nas ruas – longe disso. Em Coimbra, comentava-se que muitos estarão a contar que a prova seja suspensa.

Ao fim da noite desta segunda-feira eram menos de 30 os professores que resistiam ao vento forte e gelado no Largo D. Dinis, no coração da Universidade de Coimbra. “As pessoas acreditam que a prova é tão absurda que os tribunais vão suspendê-la esta terça-feira. Mas, se isso não acontecer, o protesto vai crescer”, disse André Pestana, um dos organizadores da manifestação contra a prova de conhecimentos e capacidades, exigida pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC) a todos os docentes sem vínculo que no próximo ano lectivo queiram candidatar-se a dar aulas.

O local não foi escolhido por acaso. E o escasso número dos discretos manifestantes terá contribuído para que o reitor, João Gabriel Silva, tropeçasse nos professores que recolhiam assinaturas para lhe pedir (a todos os reitores, mas particularmente a ele) que saia em defesa dos docentes que a sua universidade formou e habilitou para dar aulas. "A mulher do reitor, que o acompanhava, disse que estava connosco e assinou o pedido para que o marido aja contra a prova, o que é um bocadinho surreal. Mas ele, não se comprometeu, calou-se, primeiro, depois disse que neste momento os reitores andam com outras guerras com o MEC”, lamentou André Pestana.

Pestana considera que é por “cada um andar a tomar conta do seu umbigo que as coisas como estão” e tenciona fazer a sua parte, pelos professores, diz, mas “também em defesa da escola pública e dos alunos”. Biólogo, fez a licenciatura e a componente curricular do mestrado em Coimbra e o doutoramento na Universidade Técnica de Lisboa e garante que não se vai inscrever para fazer a prova, que considera “uma fantochada, um atentado à dignidade dos professores”. “”Há quem me diga: mas por que é que não fazes? Aquilo é uma chachada, fazes aquilo nas calmas”… Mas essa mais uma razão: sinto-me desrespeitado quando, depois do que investi na minha formação, depois das provas a que me submeti e da experiência que acumulei como professor, me querem obrigar a fazer uma prova cujo nível de complexidade é adequado a crianças do 9º ano”.

O professor de Biologia refere-se à componente da prova que é comum aos mais de 45 mil professores sem vínculo e que está marcada para 18 de Dezembro. As componentes específicas da prova (diferentes consoante as áreas disciplinares dos docentes e os grupos em que querem dar aulas) realizam-se entre Março e Abril e os respectivos modelos ainda não são conhecidos. “Será por acaso?”, pergunta alguém.

No grupo de manifestantes há quem acredite que a divulgação do tipo de questões que vai sair é uma “armadilha” que faz parte da estratégia do MEC. E que a não divulgação da prova-modelo das específicas também é.

“Fazem esta parte fácil para nos fazer baixar as armas. Os professores andam desanimados, alguns podem pensar: “mais vale fazer a prova e despachar isto…” A seguir apresentam as provas específicas extremamente difíceis e assim afastam do sistema aqueles que a troika lhes indicou que quer ver fora”, comenta Hugo Duarte, professor de Geografia.

André Pestana concorda que a prova ser fácil pode ter contribuído para a desmobilização. O desânimo também – “Penso que muitos dos 45 mil já desistiram de ser professores”, diz. Mas está convencido de que a falta de adesão aos protestos se deve ao facto de a Federação Nacional de Professores (Fenprof) ter anunciado que a prova estava provisoriamente suspensa, primeiro, e que as decisões dos tribunais sairiam esta terça, depois”. “Vamos ver o que acontece se a decisão dos tribunais não nos for favorável… Acho que virá mais gente para a rua”, diz.

André, de 37 anos, pai de um bebé de 16 meses, está desempregado e é casado com uma bióloga também desempregada. Hugo Duarte, da mesma idade, é licenciado em Geografia está a fazer uma substituição de uma professora de um colégio privado que se encontra em licença de parto. Flora Domingos foi, como os outros dois, apanhada pelas consequências das alterações curriculares e da constituição mega-agrupamentos, em 2012 e este ano conseguiu seis horas: diz que paga para trabalhar. Já Eunice Pimentel, que apanhou o primeiro susto no ano passado, quando esteve a dar Actividades de Enriquecimento Curricular, “como técnica especializada, a receber 549 euros ilíquidos, ficou agora desempregada, ainda aguarda uma vaga.

Isto explica por que é que Clara Serrano, professora de História, diz, “sem ironias”, quase como quem pede desculpa, que é “uma mulher cheia de sorte”: ela e o marido ficaram colocados no início do ano lectivo; a mais de 80 quilómetros da área de residência, é verdade, mas a oito quilómetros um do outro, o que lhes permite fazerem juntos, todos os dias, mais de 160 quilómetros, entre a casa de ambos e as respectivas escolas.

Enregelada, com o carapuço do casaco quase a cobrir-lhe os olhos, Clara comenta que tanto ela como o marido têm licenciatura, mestrado e estão a aguardar que a qualquer momento a universidade marque as datas em que vão prestar provas públicas para o doutoramento. E aqui sim, é irónica: “As colegas que nos vão vigiar e as que vão classificar as provas, e em particular a componente específica, são professoras do ensino secundário como nós… Mas será que têm mais habilitações ou pelo menos as mesmas que nós? ” Tem mais perguntas: uma delas é como que que se concilia “o facto de ter recebido uma bolsa de doutoramento da Fundação para Ciência e Tecnologia com a exigência de que faça “uma prova ridícula” para mostrar que sabe “o suficiente para poder dar aulas”.

Todos dizem ter esperança de que antes do fim do prazo para a inscrição na prova (às 18h desta quinta-feira) os tribunais decretem as providências cautelares e a prova seja suspensa. Ainda que isso não se verifique, à semelhança de André Pestana, Eunice Pimentel garante que não irá inscrever-se e fazer a prova: “Por uma questão de honra”, justifica.

Hugo e Clara ainda não decidiram. Aflige-os tomar a decisão de comprometer a possibilidade de se candidatarem a dar aulas, para o ano. Já Flora diz que sim, que se inscreve, “sem falta”, mas avisa desde já que “quem estiver na mesma sala” que ela “não vai conseguir fazer a prova”. O que fará para os impedir não avança, mas não tem medo de ser travada à entrada: “Era só o que faltava: ora escreva aí o meu nome, para ver se vêm atrás de mim!”, convida, com um sorriso.

Flora diz ter uma atenuante de peso. O pai, que era militar em Abril de 1974, teve de emigrar durante 30 anos para juntar dinheiro para lhe pagar o curso superior. Há dias ele comentou com ela que, se calhar, teria de emigrar outra vez. "Não, pai, se alguém tiver de emigrar sou eu!" "Tu? E depois de fazer o curso ias fazer limpezas? Nem pensar", disse-lhe o pai. Flora reproduz o diálogo para explicar que sente que agora "é a vez" dela: "Ele deu o corpo ao manifesto. Agora é a minha vez e o que tiver de fazer, farei", diz. Lembra que fez a vertente educacional do curso de História, que fez o estágio profissional, que já correu o país a dar aulas (num só ano Faro, Penafiel, Oeiras e Mirandela), que tem sido avaliada todos os anos "de acordo com as regras que o MEC definiu" e que nem sequer lhe estão a pedir que faça uma prova para entrar no quadro, mas apenas para se candidatar a dar aulas, para provar que tem habilitações para a docência. Por isso, diz, "não fazer a prova uma questão de dignidade".

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